terça-feira, 26 de abril de 2011

Repensando os provérbios

Camões diz num soneto que o mundo é feito de mudanças. Isso contraria o Eclesiastes, para o qual não há nada de novo sob o sol. O mais prudente é chegar a um equilíbrio e reconhecer que as coisas mudam para permanecer iguais. Ou se tornam iguais a cada vez que mudam.

Se as coisas se transformam -- mesmo mantendo sua essência --, transforma-se também a linguagem. Os provérbios, por exemplo. Eles são generalizações, e como tais expressam verdades aparentemente imutáveis. Mas será que não têm de se adaptar à evolução dos tempos? Sempre é possível, nem que seja por um artifício poético ou irônico, vê-los com nova roupagem.
Diz-se (ou melhor, Hobbes disse) que o homem é o lobo do homem. Ora, hoje ele é muito mais logro do que lobo. Nosso propósito é antes enganar do que devorar o semelhante. Passamos-lhe a perna nos negócios, nos concursos, nas relações sentimentais. E queremos que ele se mantenha vivo para presenciar nossa vitória -- o que seria impossível caso o triturássemos entre caninos esfaimados. Retifiquemos, então: “O homem é o logro do homem”.
Vivemos tempos pragmáticos e pouco dado a especulações filosóficas. A especulação que nos interessa hoje é a financeira, por isso proponho esta atualização para o axioma de Descartes: “Penso, logo invisto.” Trocar “existir por “investir” ajusta-se melhor a uma época na qual se cultiva pouco o ser e se medem as pessoas pelo que elas têm.
“O que os olhos não veem o coração não sente” é outra sentença que não bate muito com a realidade -- mesmo porque pode ser facilmente contestada. Suponhamos que nossos olhos não vejam um buraco à nossa frente. Fatalmente cairemos nele, e duvido que em tal circunstância o coração não sinta, e não responda com uma galopante taquicardia. Mudemos, pois, esse brocardo para alguma coisa como: “O que os olhos não veem pode nos fazer tropeçar”. Simples, prático, irrefutável.
“O futuro a Deus pertence” também deve ser visto com reservas, pois não expressa uma verdade universal. Um político nepotista, por exemplo, dirá com mais exatidão: “O futuro aos meus pertence”. E quem pode dizer que ele está errado?
A atual onda ecológica torna suspeita a afirmação segundo a qual “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Ter um pássaro na mão sugere a atitude politicamente incorreta de comê-lo ou engaiolá-lo, enquanto que deixar os dois a voar concorre para a preservação da espécie. É um gesto de respeito à vida, que os ecologistas e os poetas agradecem. Proponho, então, uma variante menos ofensiva à natureza (se algum grupo preservacionista quiser aproveitá-la, fique à vontade): “Um pássaro na mão não vale a sua extinção”.
Para terminar, sugiro que se substitua o bondoso “Quem sai aos seus não degenera” por algo mais condizente com a natureza humana. Por exemplo: “Todo filho é a tara do pai”.
(Em "A idade do bobo", p. 35)

A esquecida