domingo, 5 de fevereiro de 2017

Corrigindo o Carnaval

O “politicamente correto” se voltou recentemente para o Carnaval. Alguns blocos baniram do seu repertório músicas que consideram ofensivas a minorias. Entre as banidas estão “Tropicália” e “Cabeleira do Zezé”. A primeira, por fazer referência à mulata (ta-ta-ta-ta); a segunda, por atingir os gays.
Resolvi me filiar a essa cruzada e dar a minha colaboração. Nosso cancioneiro carnavalesco, de fato, tem sido preconceituoso com determinados segmentos cujas escolhas sexuais são pouco ortodoxas. Ou com grupos historicamente injustiçados. Minha contribuição consistirá, por enquanto, numa breve indicação de músicas que devem se acrescentar às já proibidas.   
Comecemos por “Aurora”. Trata-se de uma marchinha aparentemente inócua. Essa impressão muda quando se observam com atenção os versos iniciais: “Se você fosse sincera,/ô ô ô ô Aurora,/ veja só que bom que era,/ô ô ô ô Aurora.”  A desconfiança sobre a sinceridade de Aurora reflete uma mentalidade machista. Se não é sincera, Aurora mente, e mentindo lança sobre as pessoas do seu gênero a sombra do ardil e da trapaça. Como não relacionar isso com a mentira que Eva pregou em Adão para que ele, inocentemente, comesse a maçã? Proponho que não se cante nem se dance mais “Aurora”.
E “Máscara Negra”? Todos conhecem o clássico de Ze Kéti e Pereira Matos. É sem dúvida uma música bonita, mas lamento dizer que não deve mais ser cantada. Se não, vejamos. No finalzinho da letra o “Pierrô” diz à “Colombina”: “Vou beijar-te agora/ não me leve a mal/ hoje é Carnaval.” Perceberam a atitude autoritária e truculenta? Quem pode negar que isso é assédio? Ele se propõe a beijar a mulher sem o seu consentimento e cinicamente pede que ela não o leve a mal (ou seja, tem consciência de que o beijo vai de alguma forma importuná-la). “Máscara negra” deve ficar de fora em respeito à integridade do corpo da mulher, que tem o direito de beijar (e ser beijada) por quem ela queira.
Acho que se deve incluir também “Jardineira”. Parece de um lirismo inocente, mas não deve mais constar no repertório carnavalesco. Quem não se lembra da letra? Indagada sobre a sua intensa tristeza, a moça responde que o motivo foi uma camélia que caiu do galho e morreu (depois de dar dois suspiros). O emissor diz então à moça que não fique triste porque ela tem o mundo ao seu dispor e (prestem atenção agora!) é muito mais bonita do que a camélia que morreu. Ou seja, aceita com indiferença a morte da flor, o que mostra pouco respeito pela natureza (e, por extensão, pela ecologia). Desde quando a vida de um vegetal vale mais do que a de um ser humano?
E “Marcha da Cueca”? A letra é bastante conhecida. Alguém se diz disposto a matar quem roubou sua cueca para fazer pano de prato. Até aí nada grave. Pode-se interpretar o propósito homicida como uma hipérbole; o emissor estaria indignado com quem deu essa inusitada serventia a sua roupa íntima. O grave aparece depois, quando ele confessa que a cueca foi um presente que ganhou... da namorada. Namorada dar cueca de presente? Para fazer isso ela devia desaprovar as roupas de baixo que ele usava. E como conheceu essas roupas?! Essa música constitui um péssimo exemplo para os jovens que namoram com recato e decência.
Fico por aqui a fim de não aborrecer o leitor. Minhas pesquisas, no entanto, vão continuar (a propósito, acabou de me ocorrer “Pirata da perna de pau”; essa música deve ser banida por desrespeitar os deficientes físicos). Aguardem novas contribuições, pois considero o “politicamente correto” uma espécie de Lava-Jato da intolerância e do preconceito. Ele ainda vai mudar este país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O poder da frase