Um
dos sinônimos de envelhecer é moderar-se. Por isso desconfie de velho com
paixão. A velhice é por natureza resignada e compassiva, atributos esses
incompatíveis com o fervor passional dirigido a pessoas, ideias ou times de
futebol.
Para designar os verdadeiramente apaixonados por seus
clubes usa-se um termo que é limítrofe da demência ou da paranoia – fanáticos.
Com eles não tem acordo: ou o seu time ganha ou vence. O chamado torcedor não
vai ao estádio por prazer; vai por compulsão, por cobrança. Quem observa o jogo
como um evento lúdico ou artístico e está a fim de curtir o espetáculo, não é
torcedor. A este só interessa a vitória.
Por que ele se chama torcedor, ora? Porque passa a
maior parte do tempo torcendo as mãos e se torcendo por dentro, sofrendo como
sofria José Lins ou Nelson Rodrigues – embora se comente com alguma maldade que
a paixão de Nelson pelo Fluminense era mais um pretexto retórico para ele criar
aquelas imagens fabulosas. Fico imaginando que belas tiradas ele produziria agora,
vendo que seu time foi o único do País a chegar à semifinal do Mundial de
Clubes.
Dizem que o autor das Confissões era míope e
nem conseguia ver o jogo. Já Zé Lins sofria de verdade pelo Flamengo, com
suores, disritmia, pressão alta. Ninguém sabe até que ponto a angústia nos
estádios concorreu para que ele um dia adoecesse, e depois morresse, do
coração.
Hoje
meu entusiasmo pelo futebol é moderado. Terei ficado velho? Por mais que tente
não consigo “sofrer” pelo Botafogo, embora, quando ele está jogando, um
discreto calor ainda me esquente os nervos. Mas nada que se compare à labareda
de outros tempos, quando a visão de Garrincha entortando os adversários me
fazia uivar como um sátiro no cio.
De onde vem a obsessão do torcedor? Há, como se sabe,
uma explicação psicológica para ela. O torcedor vai ao estádio para se
compensar da vida, que lhe dá bem mais derrotas do que vitórias. Nos melhores
momentos lhe concede alguns empates, alternando as amarguras com uns prazeres
medíocres que às vezes se confundem com tédio.
Ele tem que ser paciente no dia a dia com as pequenas
derrotas não apenas suas, mas de pais, esposa, filhos. Tem que ser complacente
com os que ama, sob pena de magoá-los e perdê-los. O time de futebol existe,
então, para satisfazer suas fantasias de triunfo. Para, em algum domínio da
existência, fazê-lo vencedor. Daí a intransigência com que recusa, no campo, o
placar adverso.
Um dos efeitos da intolerância do torcedor é a chamada “dança dos técnicos”. O movimento característico dessa coreografia desesperada é o tropeço. Muitos despencam se os resultados com os times que dirigem não são satisfatórios, mesmo que as derrotas sucedam a expressivas vitórias. Para eles não há distância entre a glória e a danação – os dois extremos a que pode se resumir a vida.