Dizem
O
Daí
concluímos que, se o
Se
acrescentamos a isso a
Dizem
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Daí
concluímos que, se o
Se
acrescentamos a isso a
Ao
chegar em casa, ele notou que alguma coisa estava errada. A mulher e um dos
filhos, em pé na sala, empunhavam cartazes. O do rapaz dizia: “Agora é tudo ou
nada! Aumento na mesada!”. A esposa não fizera por menos: “Basta de ladainha.
Homem também cozinha!”. Tudo rimado, para soar mais forte.
– Que é que está havendo?! Isso é
brincadeira?
– Brincadeira coisa nenhuma! Nunca
falamos tão sério! – gritou um dos adolescentes, que tinha o rosto pintado de
verde e amarelo.
Pouco a pouco, ele foi se dando conta
do que se passava. Sua família entrara na onda de insatisfação que atingia o
país – motivada, em grande parte, pelo tal “politicamente correto”. Eis no que
deu ficarem tanto tempo acessando o Facebook, o Twitter, ou vendo televisão.
Respirou fundo, imaginando uma saída:
– Calma, pessoal. Vamos conversar.
– De conversa estamos cheios! –
rebateu a garota, que tingira parte dos cabelos de azul e mandara colocar um
piercing na orelha esquerda – para simbolizar as algemas em que se sentia aprisionada.
Uma de suas reivindicações era viajar sozinha com o namorado, o que o pai
terminantemente proibira.
– Está bem, vou pensar no assunto.
Mas vocês não acham que a gente devia primeiro consultar outros membros da
família? Seus avós, por exemplo. Eles têm experiência.
– Um plebiscito familiar? – protestou
o rapaz. – Nunca! Isso é uma manobra diversionista, um expediente protelatório
para enfraquecer nossas reivindicações. O senhor tem que nos responder
agora.
– Está bem, vamos nos sentar. E podem
baixar os cartazes. Sobretudo você, Elvira, que tem câimbra quando fica muito
tempo com os braços numa posição só; quem mandou deixar o Pilates?... Quero
ouvir um por um.
Quando o mais velho começou a falar,
ouviu-se uma barulheira infernal no quarto do caçula. Correram para ver o que
era. Lá se depararam com uma cena inédita naquele cenário até então doméstico e
ordeiro: cama virada, roupas pelo chão, sapatos empilhados fora da sapateira, e
no centro o menino segurando um cartaz onde se lia: “Fora Barrabás! Castigo
nunca mais!”.
Elvira ficou desesperada ao ver o
quarto todo revirado. Quem iria arrumar?! Os mais velhos também não concordavam
com aquilo. O pai aproveitou a deixa:
– Acabou-se! Não vou mais ouvir nem
atender ninguém.
– O senhor não pode fazer isso, pai –
implorou a menina. – A gente também não aprova o que ele fez. Ninguém é a favor
de quebra-quebra. Quem por aqui patrocinou vandalismo já se deu muito mal...
– É verdade, pai. Foi um ato solitário.
Zequinha é um vândalo, não faz parte do nosso movimento. Merecia até ser
dispersado com gás lacrimogêneo – disse em tom de piada, que geralmente alivia
a tensão comum nesse tipo de entrevero.
– Gás lacrimogêneo?! Ele vai chorar,
sim, mas por outra razão.
Dito isso, foi ao quarto pegar o
chinelo. Antes de ir se entender com o caçula, fez questão de dizer bem alto
para que os outros ouvissem:
– Por enquanto as manifestações estão suspensas. Até segunda ordem!
Um
dos sinônimos de envelhecer é moderar-se. Por isso desconfie de velho com
paixão. A velhice é por natureza resignada e compassiva, atributos esses
incompatíveis com o fervor passional dirigido a pessoas, ideias ou times de
futebol.
Para designar os verdadeiramente apaixonados por seus
clubes usa-se um termo que é limítrofe da demência ou da paranoia – fanáticos.
Com eles não tem acordo: ou o seu time ganha ou vence. O chamado torcedor não
vai ao estádio por prazer; vai por compulsão, por cobrança. Quem observa o jogo
como um evento lúdico ou artístico e está a fim de curtir o espetáculo, não é
torcedor. A este só interessa a vitória.
Por que ele se chama torcedor, ora? Porque passa a
maior parte do tempo torcendo as mãos e se torcendo por dentro, sofrendo como
sofria José Lins ou Nelson Rodrigues – embora se comente com alguma maldade que
a paixão de Nelson pelo Fluminense era mais um pretexto retórico para ele criar
aquelas imagens fabulosas. Fico imaginando que belas tiradas ele produziria agora,
vendo que seu time foi o único do País a chegar à semifinal do Mundial de
Clubes.
Dizem que o autor das Confissões era míope e
nem conseguia ver o jogo. Já Zé Lins sofria de verdade pelo Flamengo, com
suores, disritmia, pressão alta. Ninguém sabe até que ponto a angústia nos
estádios concorreu para que ele um dia adoecesse, e depois morresse, do
coração.
Hoje
meu entusiasmo pelo futebol é moderado. Terei ficado velho? Por mais que tente
não consigo “sofrer” pelo Botafogo, embora, quando ele está jogando, um
discreto calor ainda me esquente os nervos. Mas nada que se compare à labareda
de outros tempos, quando a visão de Garrincha entortando os adversários me
fazia uivar como um sátiro no cio.
De onde vem a obsessão do torcedor? Há, como se sabe,
uma explicação psicológica para ela. O torcedor vai ao estádio para se
compensar da vida, que lhe dá bem mais derrotas do que vitórias. Nos melhores
momentos lhe concede alguns empates, alternando as amarguras com uns prazeres
medíocres que às vezes se confundem com tédio.
Ele tem que ser paciente no dia a dia com as pequenas
derrotas não apenas suas, mas de pais, esposa, filhos. Tem que ser complacente
com os que ama, sob pena de magoá-los e perdê-los. O time de futebol existe,
então, para satisfazer suas fantasias de triunfo. Para, em algum domínio da
existência, fazê-lo vencedor. Daí a intransigência com que recusa, no campo, o
placar adverso.
Um dos efeitos da intolerância do torcedor é a chamada “dança dos técnicos”. O movimento característico dessa coreografia desesperada é o tropeço. Muitos despencam se os resultados com os times que dirigem não são satisfatórios, mesmo que as derrotas sucedam a expressivas vitórias. Para eles não há distância entre a glória e a danação – os dois extremos a que pode se resumir a vida.