terça-feira, 18 de março de 2014

Soneto da confirmação

Para Denise, nos 33 anos do nosso casamento


No atropelo dos dias, nem nos demos
conta de há quanto tempo, lado a lado,
tristezas e alegrias recolhemos,
resistentes às mágoas e ao enfado.
    
Talvez nem um nem outro supusesse  
que naquela paixão tão insegura,
feita de dor e medo, estivesse    
o término de uma longa e vã procura.  

Agora, tão diversos do que fomos,
cada vez mais num ponto concordamos
-- um ponto que explica esta união:

apesar de que muito nós brigamos,     
as juras que trocávamos, entre assomos,    
nasciam no altar do coração.

domingo, 2 de março de 2014

Timidez e folia

      Manuel Bandeira encerra o poema “Epílogo”, escrevendo: “– O meu carnaval sem nenhuma alegria!”. É um verso triste, em que não devemos nos iludir com o ponto de exclamação.  Ele está ali para indicar perplexidade, pois o que menos se perdoa em alguém nessa época é a falta de alegria.
     Esse argumento me faz ponderar se devo escrever sobre o Carnaval. Conheço pouco do assunto, por falta mesmo de experiência, e tudo que dissesse me faria, digamos, perder o passo. Esta palavrinha, folião, pode se aplicar a todo o mundo, menos a mim. Nas vezes em que tentei entrar no espírito da festa, pequei por inércia e me deparei com uma assombração. Ou melhor, com uma sombra, espécie de ectoplasma da minha indiferença e sisudez.
      Mas nem tudo foi assim tão escuro; tive meus pequenos arroubos nas ruas e clubes da vida. Há no Carnaval uma enorme porta aberta para o avesso do que somos, e à qual ninguém fica indiferente. Pode-se não cruzar o umbral, não aderir ao frenesi, no entanto é impossível não se encantar com o que do outro lado nos acena.
       Para quem tem dificuldade de ir no arrasto, o álcool é um excelente indutor. Foi ele que me salvou nas bailes da adolescência, quando era preciso convidar as meninas para o meio do salão e me manter por ali, acompanhando o ritmo de frevos e marchas. Eu era um tímido assumido (e quase sumido), e sem a vodca ou o rum ficaria emperrado. 
            Essas bebidas depois cobravam ao fígado a coragem que me davam, mas sem elas era pior. Melhor a náusea, a dor de cabeça e o vômito do dia seguinte do que a sensação de ter se subtraído ao apelo geral. Um apelo feito de música, risos, carne. 
        A falta de jeito terminou se impondo, e com o tempo não forcei mais. Fui aprendendo a sublimar os prazeres da festa. Deixei de ir a clubes e cordões de folia, preferindo ver o espetáculo da calçada e, depois, pela televisão. Isso coincidiu com o avanço da idade, que naturalmente nos torna menos carnavalescos. O Carnaval exige corpo, energia, disposição para a noite e a aventura – requisitos que diminuem com o tempo. 
    O fato de essa diminuição despertar o gosto pela nostalgia nada tem de surpreendente. Lembrar velhos carnavais é uma das melhores ocupações desta época. Pouco importa se participamos ou não deles; importa é o que lhes acrescentamos de imaginação. Não conheço ninguém que não tenha saudade dos “carnavais de outrora”, que são sempre melhores do que os de hoje. “Outrora” não remete a décadas atrás, ou mesmo a um passado longínquo; remete a uma dimensão fora do tempo, onde vigoram nossas fantasias.
        Fiquei me devendo alguns carnavais, mas quem nesse tipo de experiência pode dizer que teve tudo? Mesmo quem se dá totalmente aos festejos chega ao fim com a sensação de que faltou alguma coisa. Isso consola um pouco os enrustidos, mas não os compensa da sensação de que os que brincam são mais completos. E mais felizes.

Dizer pelo excesso