quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Novos microcontos

Martinha, justificando por que se separou de Claudenor: -- Abusei o cheiro dele.
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Disse o ricaço: -- O importante nesta vida não é o dinheiro; são as ações. -- E foi ver como andava o pregão.

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O marido saía com mulheres. A mãe, olhando para o filho, pensava: “um dia ele me vinga”.
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        A professora, vestido curto, dava aula de educação sexual. A turma assistia ansiosa para chegar em casa e praticar.
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          Quando o pai, embriagado, levou a primeira queda, o filho não teve tempo de achar graça. Recolhia no fundo de si os cacos do ídolo.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Sem receita


             Como fazer feliz uma mulher?
             Ainda que dance,
             seja vivo e elegante, 
             saiba ouvir e dê colo, 
             homem algum
             será capaz de fazê-la feliz.

             Mulher quer sempre uma coisa
             que o homem não adivinha
             ou para a qual não tem jeito
             (por isso nunca faz direito).

             Não é pelo engenho
             nem pela força
             que ele irá satisfazer
              sua fina expectativa
             -- o delicado e atormentado anseio
             de algo (pétala ou raiz)   
             que a mantenha viva.

           (da série "Meus pecados poéticos")

Dalila

             
           Minha cadela, velhinha,   
           já não late   
           e  mal se mantém de pé.
           Quando anda, esbarra em paredes e móveis.

          Se sente dor, não protesta,
          e o pouco que come
          parece que é para nos contentar.

          Mas tem um ar de resignação
          quase alegre, 
          como se soubesse que só a morte
          a libertará da velhice. 

          Sábia, a minha cadela
          me dá lição de morrer.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

A folia de cada um

Sempre fui um folião enrustido. Como tinha dificuldade de aderir à folia, a família e os amigos me consideravam anticarnavalesco -- o que não é verdade. Brinco por dentro, com uma espécie de euforia espiritual. Pode parecer contraditório falar em espírito a propósito de uma festa que celebra a carne, mas a contradição é apenas aparente. Carne e espírito são no fundo uma coisa só. O desejo é físico, mas pode se sublimar, e nesse caso a alma se funde com o corpo.  Freud que o diga.  
         Carnavalescos como eu têm dificuldade de cair no samba, no passo ou no frevo. Gostam mais de olhar, imunes ao tumulto dos clubes e das ruas.  São diferentes dos que rejeitam o Carnaval com o argumento de que nessa ocasião o homem se animaliza. Animal ele nunca deixou de ser – um animal soterrado por séculos de civilização. A festa é o meio de deixar emergir a “fera” aprisionada. Ou isso, ou a neurose, a psicose e outros males a que o progresso nos conduz. É preciso vez por tirar a máscara de bons moços.   
         O carnavalesco enrustido compreende a necessidade de liberar o que há em nós de instintivo. Não só compreende como sente um pouco de inveja dos que fazem isto sem inibições, entregando-se sem reservas à alegria. O que ele tem não é moralismo, é pudor, cuja manifestação visível é a timidez. Ao perceber isso, os outros o provocam e às vezes o humilham.
Não adianta. Nada o faz balançar o corpo, nem mesmo os acordes iniciais de “Vassourinhas" (essa música sempre me pareceu um dos maiores símbolos do Carnaval pelo seu poder de contagiar as massas; nos clubes ou nas ruas, quando tudo parece monótono, ela sempre dá alguma voltagem à animação). 
         A tendência do enrustido é ver o Carnaval como nostalgia. Nostalgia do presente, pelo momento que escapa, e a óbvia nostalgia do passado, pela lembrança de outros carnavais. Na sua imaginação, eles eram melhores do que os de hoje.
É como se naquele tempo não houvesse tanta agitação ou maldade e fosse possível brincar sem maiores riscos. As mulheres pareciam mais pudicas; e as músicas, cheias de um romantismo que convidava aos devaneios de um grande amor (mesmo que esse amor, como diz a letra da canção, desapareça com a fumaça). Para o nostálgico, que é parente do melancólico, tudo que se distancia da realidade é melhor.
         Crença ilusória. Os carnavais do passado não são diferentes dos de agora. Cada época imprime à festa a sua marca, mas o significado profundo permanece o mesmo. Quando eu era menino, costumava ouvir relatos de morte nos salões devido aos porres de lança-perfume; ou de agressões, provocadas por ciúme, que terminavam em assassinatos. Sob o aparente romantismo latejava a febre das grandes paixões, potencializadas pela música e as drogas.
Vou assistir à festa pela televisão, de olho também na crise que o país atravessa. Espero que ela não tenha a força de inibir as pessoas, que veem na festa a possibilidade de esquecer por uns dias o desemprego, os preços altos e os escândalos que ora pipocam. O País está marcado por essas mazelas, que o têm sistematicamente afligido e parece que não vão desaparecer tão cedo. É preciso uma dose grande de esquecimento e alegria para depois, com a lucidez possível, enfrentar o que vem por aí.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Quadrinhas carnavalescas

                                I
            Carnaval, festa da carne?
            Quem quiser que acredite.  
            Com essa inflação danada, 
            nem dá pra comprar um bife!

                              II
           Em tempo de mascarados, 
           cada qual quer ser um estouro. 
           Quem mais vai se ver na rua
           é o Japonês e o Moro.

                            III
           Chega de bancar o tolo.  
           Não vou mais cair no passo.
           Já passei o ano inteiro
           fantasiado de palhaço.

                           IV
            Carnaval, epidemia
            de alegria e de loucura  
            -- e também de Aids, zica
            e essa tal de chikungunia.

                           V
          Todos dizem que bom mesmo
          é o Carnaval que passou.
          Todos -- tanto o folião,
          quanto quem nunca brincou
                VI
Pierrô, amargurado,  
procura pelo seu par.
         E Colombina, com outro,
         vai deixando-o se cansar.
                     
                         VII     
         Bom mesmo é curtir a festa
         devagar, no meu cantinho.   
         Enquanto a turba se esbalda,
         vou no bloco do Eu Sozinho.

Dizer pelo excesso