domingo, 27 de julho de 2014

Para Augusto dos Anjos

                       Perscrutando com afã a Natureza,
                       viste no homem a espécie corrompida,     
                       e para resgatar sua nobreza
                       deste-lhe a Dor por única saída.

                       Depois, entre razão e desvario 
                       (e mais aprofundando a tua lupa),
                       viste na carne -- esse algoz sombrio! --    
                       o motivo maior da sua culpa.

                       Mas quando, por efeito do pecado,
                       vias o ser humano condenado
                       ao verme, ao fedor, à podridão, 

                       surpreendeste na força da Beleza,
                       que alivia do mundo a aspereza,
                       o caminho da sua redenção.

                     (da série "Meus pecados poéticos")

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Anseio

                                 Dizer o que é preciso    
                                 e o mais suprimir 
                                 com o rigor dos ascetas.
                                                 
                                 Desconfiar das palavras
     que adornam, consolam,
     e no fundo sonegam.

     Ser, como a natureza, estrito.
     E sóbrio plantar no silêncio     
     a raiz de um grito.

sábado, 19 de julho de 2014

Requentando a Copa

   (ou: “Lembrando o se queria esquecer”)

                                                    Diálogos

                                                          I
- E o ataque da Seleção?
- Não Fred nem cheira...

                                                         II
No consultório médico:
- Qual o problema, Seu Brasil?
- Indigestão de salsicha, doutor. Comi demais salsicha alemã.
- Isso pode ser aliviado com suco de laranja. Você espreme sete laranjas...
- SETE?! Pelo amor de Deus, doutor. Não me fale nesse número!

                                                       ****
        A agressão a Neymar foi um desfecho anunciado e se deveu, sobretudo, às confusas determinações da Fifa quanto ao papel da arbitragem. Parece que a ordem era deixar a partida correr de qualquer jeito. O pessoal da Globo comentava, desde o início, que o juiz parecia ter esquecido os cartões.
       O resultado não poderia ser outro: a vitória do futebol perna de pau sobre o futebol-arte, que enche os olhos e alegra o coração. Não será surpresa se, daqui até domingo, outros craques saírem de maca. A tendência é que permaneçam em campo os truculentos e covardes, que por não terem habilidade nos pés usam os joelhos e, ainda por cima, agridem por trás.  
     Esse joelhaço vai ficar como a nota triste da Copa. Tanto pelo gesto em si quanto pela possibilidade de interferir no desempenho do Brasil, pois Neymar é um desses jogadores que decidem uma partida e, consequentemente, podem definir uma classificação. É curioso que justamente ele tenha sido posto fora de combate.
                                                     ****
      O gol do Brasil na partida contra a Alemanha foi saudado como “de honra”.  Que pode haver de honroso numa derrota por 7 a 1?
                                                    ****
      Que diria Nelson Rodrigues sobre nosso “complexo de vira-lata” se tivesse assistido ao massacre que nos foi infligido por um pastor alemão?
                                                    ****
       Afogar as mágoas, sim, mas não com chopp. Seria irônico demais.
                                                    ****
                    Queríamos o Caneco... Tomamos na cuia. 

domingo, 13 de julho de 2014

O que explica

        Desde os meus tempos de peladeiro, ouço dizer que futebol não tem lógica. É verdade que nenhum esporte se caracteriza pela racionalidade, mas no futebol a influência do imponderável parece maior.
         Um lance fortuito, ocorrido no último segundo da partida, pode definir o jogo. Sem falar das falhas humanas: um goleiro eficiente durante a maior parte do tempo pode tomar um frango no finalzinho; um zagueiro pode cortar errado e meter a bola nas próprias redes (como ocorreu na Copa de 1994 com o colombiano Escobar, que perdeu a vida devido a um gol contra que desclassificou o seu país).
           Essa falta de lógica não torna o futebol inferior aos outros esportes. A lição que ele dá é que é preciso não apenas ser eficiente, como também obter resultados. Se lances fortuitos podem levar à derrota, não se pode dar chances ao adversário. O que conta é o placar, que deve se sobrepor à (má) sorte e aos possíveis erros do árbitro.
          Por tudo isso o futebol é uma excelente imagem da vida. Nela também estamos à mercê da sorte, que às vezes nos leva a “jogar contra o patrimônio”. Nela podemos ser vítimas de juízes ladrões, que voluntariamente ou não nos prejudicam. Mas, de um modo ou de outro, temos que seguir em frente.
          Uma das máximas do futebol é: “Quem não faz, leva.” Na vida também é assim. Ou você age, decide, produz, ou acaba ficando para trás. Isso não quer dizer que se deva estar permanentemente em disputa com o mundo; apenas traduz o reconhecimento de que, na vida, há espaços a ocupar nos quais não cabem todos.
      Vem também do futebol a máxima de que a melhor defesa é o ataque. Ficar na retranca, encolhido, vendo o adversário articular a melhor forma de chegar ao gol é meio caminho para a derrota. Daí a necessidade de contra-atacar, surpreender o outro, fazer da provisória inferioridade uma alternativa de reação. 
      O futebol é uma metáfora da vida, mas pouco do que ele representa pôde ser reconhecido na última terça-feira, quando o Brasil foi derrotado pela Alemanha. O jogo teve lógica, pois os alemães forram superiores a nós desde o início. Os vencedores não se beneficiaram de nenhum lance fortuito nem tiveram a sorte a seu favor. Tampouco Júlio César ou algum zagueiro falhou em determinado lance. Os chutes convertidos em gols foram todos indefensáveis, e a deficiência da zaga era tão homogênea que não se pode falar em falha de um só. 
          Quanto ao juiz, nem de longe interferiu no resultado, e a postura passiva do nosso time concorreu para tornar o trabalho dele mais fácil. É impossível existir briga quando um dos adversários se recusa a lutar.    
        O que explica, então, o retumbante malogro do nosso time? Falha no esquema tático, sim, mas sobretudo um triunfalismo antecipado que mostrava o Brasil como campeão antes de a equipe entrar em campo. Some-se a isto a mitificação de alguns jogadores, que eram apontados como exemplos de raça, liderança, superação; coroados de louros antes de subir ao pódio. Acrescente-se a esses fatores a vaidade de alguns; o técnico, por exemplo, parecia mais interessado em aparecer na televisão do que em treinar a equipe.  
     Faltou humildade, recolhimento, aplicação tática. Sobraram gestos de efeito para sugerir um emocionalismo patriótico que por si não basta para fazer um campeão. O resultado não poderia ser outro. 

Nelson-rodrigueando a derrota

         Amigos, na semifinal da Copa, o "Mané Garrincha" foi a tumba em que o brasileiro enterrou sua última quimera. Imagino que cada um de nós, ao acordar no dia seguinte, pediu ao amigo, ao parente, ao vizinho: “Me belisca, me belisca. Quero saber se é mesmo verdade!”. O que era para ser “resgate da honra” terminou intensificando a nossa humilhação. A vontade do brasileiro hoje é sentar no meio-fio e chorar. Essa torrente de lágrimas rolaria, numa caudal amazônica, do Oiapoque ao Chuí. Seria um novo dilúvio, quem sabe?, para nos redimir de antigas culpas (dizem que somos um povo muito pecador) .
     Mas eis o que eu queria dizer: não estávamos preparados para este segundo massacre. A torcida acreditava, apareceu em peso e colorida, ululando como índio de filme. O futebol é das poucas coisas que despertam nosso narcisismo, por isso todos queriam ver seu patriotismo estampado no telão. Mas veio o primeiro gol da Holanda, e o segundo (este depois de David Luiz cabecear a bola nos pés do adversário, que a ajeitou e desferiu o chute fulminante).
     Depois do terceiro gol, ocorreu uma estranha mas previsível metamorfose: nosso narcisismo regrediu ao estágio tribal, quero dizer, ao antigo complexo de vira-lata. Havia em cada olhar, em cada gesto, o impulso atávico de latir, grunhir, rastejar. Dirão que exagero, e pode ser. Mas não há duvida de que só o escrete nos redime de velhas e santas recriminações. Vê-lo tomar 10 gols em dois jogos nos faz humilhados e ofendidos.
        Um dos que se salvaram no jogo foi Oscar. Elétrico, incansável, ele se movia como um suricato da Disney. Os holandeses tiveram trabalho, mas, como diz a minha vizinha gorda e patusca, uma andorinha só não faz verão. O ideal era que houvesse em campo nove, 10, 11 Oscares. Os outros jogadores não foram bem. Hulk se esforçou, correndo muito no pouco tempo em que esteve em campo. Mas a melhor oportunidade que teve ele jogou literalmente no espaço. Relembremos a cena: Hulk recebe a bola pela esquerda e tenta se livrar do zagueiro adversário. Dá a impressão de que vai conseguir e arma o chute. Sai o petardo, ao empuxo das ancas portentosas, mas sai descalibrado e toma o rumo do céu. Dizem que a bola não aterrissou até agora.
           A Holanda goleava, e o que se via da parte da comissão técnica? Perplexidade e aparvalhamento. Felipão era um Quixote sem moinhos. Ele e Parreira não tinham o que conversar, e esse mutismo parecia um doloroso reconhecimento de impotência. Então se deu um episódio de ópera-bufa: os jogadores se reuniram e começaram a cochichar uns com os outros, como comadres, apontando para o campo. Escondiam os lábios para impedir que se entendesse o diziam. Curiosa cena: a comissão fora substituída por um grupo de palpiteiros, cada qual sugerindo um meio de impedir que se repetisse a catástrofe alemã.
        A propósito dos 7 a 1, falou-se em apagão. Foi bem mais do que isso; naquele dia a Seleção mergulhou num buraco-negro, e tudo que brilha em nós foi engolfado por esse abismo estarrecedor. Resta saber quando conseguiremos sair dele.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Traquinagens

                                     Trajetória do homem na língua do “p”

         Pum / Pipi / Papa / Pipa / Pelada / Porre / Periguetes / Papéis/ Projetos/ Paternidade / Patrimônio/ Pruridos/ Papa/ Pipi / Pum...                                                                                                   
                                                Machismo arrependido

- Toda mulher gosta de apanhar (os objetos que os homens deixam pelo chão).
- Mulher não sabe dirigir (quando é o homem que orienta o tráfego).
- Mulher não entende de futebol (jogado por certos pernas de pau).
- Onde há confusão, tem mulher (buscando moderar os ânimos). 
- Mulher fala demais (já que os homens não querem escutá-las).
- Lugar de mulher é na cozinha (ensinando o homem a vestir o avental)
- A mulher se aliou à serpente para expulsar o homem do Paraíso (mas se ela não tivesse feito isso os dois ainda estariam lá, curtindo um tédio infinito).

                                           Adivinhas
 Qual é
- a barriga que fica embaixo da cintura? A barriga da perna.
- o pé que faz caminhar para trás? O pé-frio. 
- o espírito que só aparece na hora errada? O espírito de porco.
- a planta que a gente pisa quando anda? A planta dos pés.
- o chá que mais esquenta? O cha...mego. 

Dizer pelo excesso