domingo, 29 de julho de 2018

Sucesso e felicidade


        Sucesso é o novo nome da felicidade. É o ideal forjado pela sociedade de consumo para nos levar a cada vez mais adquirir coisas. Antigamente a suprema aspiração humana era ser feliz. Hoje desejamos o sucesso, que é uma felicidade quantificada, rotulada, carimbada com a marca do prestígio e do dinheiro.
         Uma das diferenças é que a felicidade é para dentro, enquanto que o sucesso é para fora. Repetindo um velho chavão – a felicidade é um estado de espírito; o sucesso, muito mais um estado de corpo. Quando as mulheres enchem os seios e os quadris de silicone, não estão à procura da felicidade. Querem parecer boazudas para abafar as outras e, diante dos homens, fazer sucesso.
O silicone é a vitória do artifício sobre a natureza e constitui um recurso extremo para melhorar a imagem; o sucesso vive essencialmente da imagem. Pela aparência é que ele é medido e avaliado. Ninguém tem sucesso sem o ostentar, pois a ostentação é um dos requisitos para se confirmar o sucesso.
A felicidade não precisa de espectadores nem de aplauso. o sucesso se completa com o olhar do outro. A admiração babosa do semelhante é o grande espelho onde o indivíduo contempla o seu triunfo. Sucesso é triunfo, felicidade é satisfação discreta e recôndita. É o aplauso essencial de si mesmo, você diante do espelho que é sua alma.
O sucesso quer holofotes, a felicidade se contenta com luz natural. Felicidade pode ser um passeio na praia e depois uma água de coco. Sucesso exige transatlântico e cruzeiro a Fernando de Noronha, tudo devidamente documentado para sair, depois, na coluna social. O essencial do sucesso não é a vivência, é o registro. Não é a experiência, é a versão, que deve chegar ao maior número de pessoas possível.
Um e outra são difíceis de conseguir e seguem caminhos opostos. O sucesso exige tática, ousadia e sobretudo muitas concessões. À medida que cedemos a elas, mais distantes ficamos da felicidade.       


Do flerte à paquera

            Camões escreveu que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. O poeta quer dizer com isso que nosso desejo é mutante. O que queremos hoje podemos rejeitar amanhã, e o que agora desprezamos pode no futuro ser objeto do nosso mais ardente empenho.
            Essa verdade vale também para as palavras. Não que elas possam desejar alguma coisa. Palavras não são gente. Mas o prestígio de que desfrutam varia muito, refletindo a nossa forma de sentir o mundo.
            Um passeio pela ficção de Machado de Assis mostra isso. Quem sabe hoje o que é “tílburi”? Era uma espécie de carro de duas rodas puxado por um animal. Tanto servia ao uso particular como ao público, antecipando o táxi dos dias atuais.
            No tempo de Machado, “bocetaera uma caixinha em que se guardavam pequenos objetos ou rapé. Não tinha o sentido “cabeludo” que lhe dão hoje. Machado usa-a mais de uma vez para se referir à caixinha de onde Pandora, a mãe Natureza, retirou as desgraças que atingem os homens.
            O próprio rapé também saiu de moda, pois hoje uma turma pesada prefere cheirar outra coisa. Ninguém cheirava rapé paraviajarou cometer delitos; no máximo essa mistura de tabaco com substâncias aromáticas provocava alguns espirros. Era um estupefaciente descongestionante. 
            Falo da época de Machado, mas não é preciso ir tão longe. Os jovens, que hoje desabusadamente “ficam”, há poucas décadas eram chamados de “brotos”. Com a força da sua explosão vegetal, “broto” é mais inocente do quegato”, “gatinha”, “mina” e outros termos que se usam agora.    
            Também se trocou “flerteporpaquera”, que não à toa se deriva de “paca” (“paqueiro” é o cão adestrado para caçar pacas). O flerte era um exercício estético, tinha a gratuidade da poesia. Não culminava necessariamente no ato sexual.
       Flertava-se para degustar a conquista iminente, e muitos se contentavam com os preâmbulos cheios de promessas. a paquera tem muito de uma operação de caça, cujo objetivo é comer a presa.


Dizer pelo excesso