domingo, 11 de maio de 2014

O debate no "Fantástico"

     Aprimorar o processo de correção do Enem é fundamental para tornar justa a avaliação dos candidatos. O governo vem tentando fazer isso, conforme demonstraram as medidas tomadas para impedir que em 2013 se repetisse o que ocorreu em 2012. No ano retrasado, redações com inserções indevidas (hino de clube, receita de macarrão) foram corrigidas normalmente. No ano seguinte redações desse tipo foram anuladas, por se entender que seus autores não tinham a intenção de fazer o exame a sério.
        O “Guia do Participante – 2013" trazia instruções claras quanto a esse ponto. Lia-se na página 9 que a redação receberia zero se apresentasse, entre outras características, “impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação ou parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto”. Também eram condições para zerar “fuga total ao tema”, “não obediência à estrutura dissertativo-argumentativa” e “texto com até 7 (linhas)”, entre outras práticas.  
       O debate levado ao ar pelo Fantástico no último dia 4, e do qual participei com outros quatro professores, tinha por objetivo avaliar até que ponto essas recomendações foram observadas pelas bancas. Jornalistas ligados à produção do programa escreveram textos infringindo-as propositadamente, por vezes de forma gritante, de modo que não suscitassem dúvidas quanto aos problemas que apresentavam. Nesses textos constavam, além de hinos de clube, comentários que nada tinham a ver com o tema, internetês, língua do “P” etc.
        Das dez redações produzidas pelos jornalistas, apenas quatro foram zeradas. Os corretores oficiais penalizaram algumas brincadeiras e despropósitos, mas deixaram passar as cópias. Elas apareciam em textos nos quais apenas o primeiro parágrafo era da autoria do “candidato” e, por não totalizarem mais de sete linhas, se enquadravam entre os que deveriam ter sido anulados.   
       Esse é um ponto que merece reflexão. Por que os plágios não foram percebidos? Excesso de provas para corrigir? Falta de leitura atenta dos textos motivadores? Numa das redações as cópias não eram desses textos, mas de outras partes da prova; como não era dever dos examinadores ler a prova toda, pode-se alegar que eles não tinham como perceber os plágios. A alegação não procede, pois a redação que o “candidato” elaborou com os enunciados de várias questões era uma colcha de retalhos. Cada parágrafo tinha um tópico, que não se conectava com o anterior. Uma leitura minimamente atenta notaria as falhas de coerência e progressão.
      O texto mais controverso foi o que apresentava informações desconexas, sem nenhuma base histórica, mas sobre os quais poderia pairar uma leve dúvida: deboche, provocação, ou mesmo ignorância? Como várias vezes me deparei com redações semelhantes, não considerei que tivesse havido os dois primeiros propósitos. O candidato que desconhece o AI-5 ou as circunstâncias da morte de Getúlio Vargas deve ser proporcionalmente penalizado por isso. O zero era excessivo devido a determinadas virtudes que o texto apresentava, como boa estruturação e correção linguística (dificilmente encontradas, por sinal, em alunos que tivessem um nível tão baixo de informação). Por tais virtudes dei ao “candidato” 300 – a metade dos 600 com que o Enem generosamente o avaliou. 
        Também suscitou polêmica o texto em que o candidato se dirigiu duas vezes a Papai Noel. Essa foi uma inserção descabida, voluntariamente jocosa, e que também me fez dar zero à redação. Fiz isso tanto pelo apelo ao “Bom velhinho” (assim o “candidato” o tratou na segunda vez em que se dirigiu a ele), quanto pela descaracterização do gênero pedido no Enem. A inclusão dos vocativos transformou o texto numa mistura de dissertação argumentativa e... “carta a Papai Noel”.
     Pelo que se viu no debate, não se pode dizer que as bancas ignoraram as determinações do Inep. No entanto, com algumas exceções, atenderam-nas no que saltava aos olhos. As maiores falhas foram naquilo que dependia de uma leitura detida, que só pode fazer quem tem não apenas preparo, mas tempo para avaliar com atenção os textos.

Dizer pelo excesso