quarta-feira, 23 de maio de 2018

Divagando se vai longe (12)

        “Rouba, mas faz” (que a gente tem ouvido muito nos últimos tempos) sugere uma resignação cúmplice. O primeiro passo para vencer a corrupção é instituir o “Faz, mas rouba” e dar o maior peso possível à adversativa. Quem faz e rouba acaba desfazendo o que fez.
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        A rigor, não existe renúncia. Toda renúncia é troca, e muitas vezes a alternativa ao que renunciamos nos gratifica mais.
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       Toda queixa é agressão. O queixoso invoca a própria infelicidade para provocar culpa nos outros. Ao atribuir aos outros a responsabilidade por seu sofrimento, exime-se de resolvê-lo por si. Ele cultiva uma espécie de narcisismo masoquista, que só faz perdurar a aflição. Mas não se importa de sofrer, contanto que torne visível aos outros o espetáculo da sua dor.
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        Sei que sou lento e, quando “vou”, os outros já “estão voltando”. É justamente por ver a cara deles que eu não sinto vontade de me apressar.
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      A preocupação com o Além não leva a lugar nenhum. Distorce o essencial do problema, que é saber de onde viemos. Só descobrindo isso é que saberemos para onde vamos (se é que vamos a algum lugar). O mistério está na origem, e não no fim. O fim é o que imaginamos que será; o início é o que realmente foi. O homem pode fantasiar hipóteses sobre o final, em função de suas crenças, mas não pode escapar da matriz de que proveio — a natureza e o que a engendrou.
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        Você diz que é capaz de dar uma festa e não filmar os convidados? Duvídeo!

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"O mundo é uma frase"

            
          Esse é o título do livro em que James Geary, editor na Europa da revista Time, faz um estudo sobre os aforismos ao longo do tempo. Ele mostra a evolução desse gênero desde quando que era praticado por sábios e profetas até os dias de hoje.
          Seu interesse é estabelecer a trilha de uma jornada do espírito em que se revela algo de comum a todos os homens. Segundo ele, “os aforismos nos reafirmam que alguém passou por ali antes”. Como animais filosóficos que somos, de um modo ou de outro sempre participamos dessa viagem – alguns com refinamento, lendo os grandes  autores; outros com o que é possível aproveitar na  literatura miúda que atualmente recheia as estandes das livrarias.  
      Aforismos, como lembra Geary, não se confundem com provérbios. Enquanto estes são genéricos, “batidos”, os aforismos preservam a nota pessoal. Neles se deposita não apenas um saber, mas também um estilo, que traz as marcas de um temperamento e de um caráter. Para mostrar isso, o autor acrescenta à abordagem sobre cada autor um breve comentário biográfico.  E procura mostrar o quanto as características físicas, a condição social, o sucesso ou sobretudo o fracasso na vida determinam a visão de cada um.
         O livro é erudito e ao mesmo tempo leve, graças ao bom humor com que os tópicos são apresentados. A leveza também se deve ao que há nele de autobiográfico, pois de tão “viciado” em aforismos o autor começou, ainda jovem, a produzir os seus. Foi em encontros improvisados na universidade, quando então escrevia frases do tipo: “Não confie em um animal – não importa quantas pernas ele tenha.” Ou: “Há certos erros que apreciamos tanto que estamos sempre desejando repeti-los.” Graças a uma dessas frases ele conheceu aquela que seria sua esposa.
          Em alguns aforistas o forte é o estilo; noutros o que conta é mesmo a engenhosidade dos conceitos. O exagero de uma ou outra tendência, como observa o autor, pode ter efeitos negativos. Joubert, por exemplo, se esmera em “produzir, da grande de verbosidade no mundo, algumas sentenças simples e cintilantes” e talvez por isso nunca tenha publicado um livro; obcecado pela forma ideal, jamais se dava por satisfeito.  Já Nietzsche “pula de pensamento em pensamento, mas cai e pega fogo sempre que chega ao outro lado”.
          Apreciações breves e certeiras como essas não nos deixam largar o livro. Nele aprendemos muito sobre esse gênero de “todas as épocas” e sobre alguns dos autores que nas mais variadas circunstâncias o cultivaram. Se o homem se define pelo saber que produz ao longo do tempo, os aforismos são trilhas privilegiadas para entender esse percurso. São instrumentos pelos quais o ser humano procura, com o farol da razão, desfazer as brumas da ilusão e da ignorância.

Dizer pelo excesso