A
gripe é sobretudo uma agressão moral. Você sabe que ela não vai lhe matar, mas
o estado a que o reduz é lastimável. Não dá para fazer selfie com o nariz
vermelho e os olhos injetados. E o pior é o defluxo que dele emana (prefiro o
termo “defluxo” ao escatológico “catarro”).
A
medicina criou um nome pomposo para designar a gripe – influenza, que vem do
italiano. É um termo simpático e que até nos dá vontade de passar pela
experiência. Parece haver certa nobreza numa afecção cujo nome evoca a pátria de Dante e
Michelangelo. Mas a empolgação acaba quando vêm os espirros e a febre (ou
melhor, a febrícula, com esse sufixo derrisório). Seu moral começa a balançar,
e o corpo pede cama.
O
bom é que, deitado, você momentaneamente se subtrai à atual confusão
político-institucional do Brasil. Esquece por um tempo a reforma da
Previdência, o Coaf (a única coisa que lhe evoca essa sigla é o cof-cof da
tosse), a disputa entre os três Poderes (bem que os próceres da República
mereciam uma gripe bem forte para lhes moderar a vaidade e a ambição. Não dá
para gritar “Quem manda sou eu!” com os olhos lacrimejando). O espírito
vagueia, mas a influenza não se esquece de continuar o seu trabalho. Inerte e
sorumbático, você não passa de um espectro mucoso a passar o lenço (o quarto
já) pelo nariz.
Então
a mulher vem e lhe oferece um chá. Pergunta se você quer vitamina C (pelo seu
gosto, você tomava todo o alfabeto). Um antitérmico também ajuda. É o máximo
que se pode fazer contra uma patologia para a qual não há remédio – a não ser humildemente
esperar.
A gripe é sobretudo
um teste de paciência. Não há como evitá-la, mesmo com as vacinas. Periodicamente
um exército de novos vírus ameaça o nosso organismo para demonstrar o quanto somos
suscetíveis às agressões do ambiente e à roda das estações. A gripe modera a nossa
soberba e, se nos põe na cama, é para que depois nos levantemos humildes e mais
compenetrados da nossa humana condição. Se é inevitável adoecer, que seja ela a
nos fazer dar o devido valor à saúde.