domingo, 31 de dezembro de 2017

Previsões de Omar Mota para 2018

É comum nesta época fazer previsões para o ano que se inicia. Não gosto muito desse hábito, pois a maioria delas se mostra falsa – e as que se realizam geralmente vão de encontro às nossas expectativas; o melhor, então, é não conhecê-las. Ainda assim, para não me alhear totalmente do clima, recorri ao vidente Omar Mota para dar ao leitor uma ideia do que o espera em 2018. Omar é um vidente digital e faz suas previsões com o auxílio de algoritmos. Segundo ele, a futurologia convencional é coisa do passado; nosso destino é comandado pela aleatória combinação dos bits. Vamos então às suas previsões para o ano vindouro.

//Neymar não jogará toda a Copa devido ao fim do seu relacionamento com Bruna Marquezine. A moça lhe dará um brutal chá de cadeira, e o jogador, psicologicamente destroçado, entrará em depressão e preferirá ficar no banco. Tite contudo não vai desconvocá-lo, pois sabe que as mulheres são instáveis nessa matéria e a atriz poderia voltar atrás.
Infelizmente isso não vai ocorrer por causa de um vídeo que será enviado à moça por um hacker russo mostrando o jogador aos beijos com uma turista ucraniana. Tudo montagem, claro, feita com o objetivo de prejudicar a campanha do Brasil, considerado o mais sério candidato ao título. A CBF recorrerá, mas sem necessidade, pois mesmo sem Neymar o nosso país será campeão. Detalhe: na volta o jogador desfilará risonho em carro aberto, pois Bruna selará a reconciliação com ele.    

//Os Estados Unidos e a Coreia do Norte quase entrarão numa guerra nuclear devido a um tuíte de Trump chamando o ditador norte-coreano de “baixinho invocado”. Será na verdade um equívoco, pois o tuíte se destinava a Raul Castro por este querer cobrar consumação dos turistas norte-americanos em bares e restaurantes. O objetivo seria melhorar a economia de Cuba, que entrou em declínio após a era Obama.    

//Será enfim decodificado o sentido da frase de Temer na conversa com  Joesley: “Tem que manter isso aí”. Com a ajuda de um perito e de um funcionário da casa que não quererá se identificar (segundo a oposição, ele seria fictício), se chegará à conclusão de que o presidente se referia aos suspensórios do empresário. Este teria se esquecido de abotoá-los, o que fez as calças começarem a cair (nesse ponto a gravação mostra  um ruído estranho, que segundo o perito é a indicação de que Temer se assustou e engoliu em seco ao quase ver o pinto do dono da Friboi). Após o susto é que veio a fala presidencial, confundida com o apelo para continuar pagando Eduardo Cunha -- que nada tinha a ver com o pato.  

//Lula vai conseguir provar que nada teve a ver com a reforma do tríplex, que teria, como ele alegou, sido orientada por sua falecida ex-esposa. Os advogados argumentarão que, levando em conta o exíguo espaço destinado à adega, a reforma não poderia mesmo ter sido projetada por ele. Para mostrar que deu literalmente a volta por cima, e para cima, o ex-presidente irá morar na cobertura.

//Bolsonaro começará a cair nas pesquisas e, sentindo que sua candidatura corre sério risco, vai procurar fazer as pazes com a comunidade LGBT a fim de melhorar a imagem. Os líderes condicionarão o apoio à promessa de que ele participe da próxima edição da Parada Gay em carro alegórico e segurando um estandarte com os dizeres. “Saí dessa roubada. Machão não está com nada”. O candidato aceitará a proposta, o que logo se refletirá no aumento do seu índice de aprovação em alguns pontos percentuais (para mais ou para menos).

//Depois de uma campanha acirrada, o Brasil elegerá um presidente de centro (o vidente não esclareceu se de centro-esquerda, centro-direita ou centro-centro mesmo). A eleição será pau a pau, e pedra a pedra, e o vencedor ganhará por uma diferença tão insignificante que o segundo colocado ficará com um pedaço da faixa. Para governar, o novo presidente terá que fazer muita ginástica (vai inclusive contratar um instrutor). Sua meta será tirar o país da miséria, mas ele encontrará sérios obstáculos para isso. A miséria, afinal de contas, tem um longo histórico entre nós e nem sempre se dispõe a colaborar para a própria extinção.

sábado, 30 de dezembro de 2017

"Roda Gigante" é um Woody Allen dos bons

Um dos temas do filme de Woody Allen é o teatro – mais precisamente o teatro grego e alguns de seus rebentos modernos. A dimensão trágica está representada pela personagem Ginny (magnificamente interpretada por Kate Winslet), que se debate entre o desejo e a culpa, e cujas escolhas vão determinar o destino de várias pessoas ao seu redor.  
Ginny vive com Humpty (Jim Belushi), funcionário de um carrossel num parque de diversões. Ele é um ex-alcoólatra pouco refinado e, por sua fragilidade emocional, está sempre na iminência de retornar ao vício. O que lhe dá um precário equilíbrio é Ginny (que se ligou a ele depois de trair o primeiro marido) e a filha Carolina (Juno Temple), que havia rompido com o pai por este não aceitar o seu casamento com um mafioso mas acaba se reconciliando com ele. A moça está ameaçada de morte justamente por ter se decepcionado com o gângster e revelado à polícia algumas das suas tramoias. 
Ginny vive insatisfeita com o novo casamento (a imagem do carrossel, homóloga à da própria roda gigante, é um símbolo de monotonia e repetitividade na vida conjugal). Ela tem um caso com Mickey (Justin Timberlake), que trabalha como salva-vidas na praia. Mickey por sinal é quem narra a história, desempenhando a função exercida na tragédia grega pelo coro. Escritor, ele sonha um dia ser famoso escrevendo grandes peças teatrais. A identificação com o teatro (além da juventude e da beleza dela, claro) leva-o a se aproximar de Carolina. Os dois se apaixonam, e Carolina faz confidências sobre isso a Ginny, que a partir de então disputa com a enteada (sem esta saber) o amor do mesmo homem.
Os diálogos do filme não têm uma das marcas de Woody Allen, que são as tiradas de humor, mas elas não fazem falta. A trama engenhosamente urdida deixa o espectador em suspenso do início ao fim. Sublinha a tensão narrativa o apelo a símbolos como o da roda gigante – imagem nietzschiana do eterno retorno – e o do fogo, um clássico símbolo de destruição. Ele aparece na pirotecnia de Richie (Jack Gore), filho do primeiro casamento de Ginny e cujo pai se suicidara ao tomar conhecimento da traição da mulher.
Na sequência final, o filme incorpora explicitamente a inspiração dramatúrgica. Vestida com um figurino apropriado, e assumindo uma postura tipicamente teatral, Ginnny desfia um solilóquio shakespeariano no qual está presente, inclusive, a figura do Fantasma. Só que o Fantasma que a assombra não é o de um morto, como em Hamlet, mas o de Mickey, cujas revelações alimentam a sua culpa.
É comum dizer que um Woody Allen regular é melhor do que muitos filmes bons de outros diretores. “Roda Gigante”, que lembra “Match Point” pelo dilema ético, é um Woody Allen dos bons. Nele o autor deixa de lado a exposição das neuroses de determinados estratos sociais (sobretudo a classe média alta) e mergulha nas profundezas da alma humana – naquele sombrio recesso em que a luta com Ananke (o inexorável Destino) pode revelar a nossa grandeza ou a nossa abjeção.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Do baú (14)

 Amar é respeitar a solidão do outro. É não considerar o seu silêncio como indiferença ou rejeição. Os diálogos que alguém tem consigo muitas vezes só são possíveis porque existe ao lado uma presença confortadora, que estimula a reflexão e impede que a solidão seja sentida como abandono. 
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      Não se pode julgar uma pessoa por sua crença. Querer que alguém adira a determinado credo constitui um abuso contra as liberdade individual. Se o pensar é livre, a crença também o é. O crente tenta convencer o outro dizendo “ minha crença é a verdadeira”.
       Nada o autoriza a afirmar isso, pois a verdade de uma crença é sobretudo a verdade de quem crê. Em vez de a crença ser “minha por ser verdadeira”, ela se mostra “verdadeira por ser minha”.
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Em crise de identidade, ele resolveu fazer análise para descobrir quem era. Depois que descobriu, entrou em crise moral.
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Segundo Camus, o grande problema filosófico é o do suicídio. Entende-se. O suicida assume conscientemente o propósito de morrer, ou seja, nele o intelecto vai de encontro ao instinto de sobrevivência. Normalmente razão e impulso vital caminham juntos, e a dissociação entre eles não deixa de representar um curioso enigma para a filosofia.
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         É importante destacar quanto a linguagem concorre para a construção, em nós, do que se chama de alma. A transcendência, que caracteriza a alma, decorre do sentido que damos a nós e às coisas. Existe no homem o propósito de se espelhar em tal sentido, que ele percebe como algo profundo e superior. A alma, seja lá o que signifique, permite que ele se sinta distante da anônima e indiferente natureza.
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        Sábio é quem descobre e aceita a verdade mesmo quando ela não o favorece. Isso contudo é difícil de ocorrer, pois a maioria de nós prefere viver de ilusões.

domingo, 24 de dezembro de 2017

A tentação do bem

       Esta noite pode não ser feliz como reza a letra da música. Pode não ser de paz conforme está nos cartões natalinos – mas é, sem dúvida, uma noite de trégua. Com parentes, amigos (ou, na falta deles, com alguns velhos fantasmas), celebraremos emocionados esse armistício do espírito. Cansados de errar e de correr, teremos algumas horas de recolhimento diante da árvore iluminada, em volta da qual haverá frutos nada inocentes. Frutos que serão dádivas mais do bolso, que do coração.
         Envolvido com suas compras e com seus cartões, imagino que o leitor ainda não se deu conta do que se poderia chamar “o paradoxo litúrgico do Natal”; nem por ser a data do nascimento de Cristo, o evento deixa de ter as suas contradições. Pois é a festa do Salvador, mas celebrada por homens. Se por liturgia entendermos todo esse ritual profano de correrias e atropelos, é fácil perceber quanto ele nega a essência do espírito natalino, que pressupõe recolhimento e contemplação. Mal entra dezembro, transfiguramo-nos em pechincheiros fanáticos, em corredores compulsivos em busca das melhores ofertas – pois ninguém pode nem deve ser esquecido. E na lista não entram somente os da nossa estima, mas todos com que temos alguma espécie de relação – formal ou informal, direta ou indireta, próxima ou remota.
         Há quem diga que tem de ser assim, pois o presente ou o dinheiro quantificam materialmente o afeto. Como externar o sentimento senão através  de objetos, possuam eles ou não alguma utilidade? Quem ama dá. O problema é que, no Natal, a doação deixa de ser espontânea e vira motivo de cobrança. Nesta época, fustigados pelo comércio e pelos meios de comunicação, somos levados a dar indiscriminadamente, sem escolher objetos ou destinatários. 
         Justiça seja feita, a cada ano o comércio se excede na organização do evento. A profusão de ofertas nos coloca no canto da parede, destruindo-nos todos os álibis e todos os escrúpulos. Com tal diversidade de produtos e de preços, como não comprar? O nosso afeto é precário, o nosso bolso é curto, o nosso coração insuficiente para tal variedade. Por mais que venhamos a consumir, sentimo-nos impotentes e em débito – não apenas com os comerciantes e industriais, mas com os que devem ser objeto de nossa generosidade. Há tanto mimo barato, tanta coisa insignificante e tentadora, que o nosso impulso é o de presentear o mundo todo. E comprar de preferência o fútil, por um misterioso automatismo do corpo e da alma.
         Nesses tempos de dureza e desatino, o consumo é uma forma de prece. E, não por acaso, o presépio deixou a igreja e se instalou, com todas as glórias e luzes, nas dependências do shopping center. Há nisso uma contradição estética e sobretudo ética, pois o lugar do Cristo menino é onde ele venha a ser cultuado com respeito e, sobretudo, com humildade. No shopping, o presépio é mais um adorno profano, um artefato mercadológico que não se distingue de outros recursos para nos fazer comprar.
         Mas deixemos de lamúrias e aceitemos os fatos. Tratemos de viver o Natal possível, e não o Natal que satisfaça nosso ideal de perfeição. Em meio a esse tumulto aquisitivo, que faz de Papai Noel um indecente garoto-propaganda, contentemo-nos com o afeto mínimo, com a disponibilidade esquiva, com a bondade possível em seres tão confusos e perdidos – tentados pelo bem e pelo mal. Se fôssemos capazes de coisa melhor, certamente não teríamos necessidade de Deus.
         Na manjedoura está o Menino, que veio ao mundo para testemunhar nosso fracasso. Mas também para constituir uma referência, um guia. É tão difícil ao homem atendê-Lo quanto negá-Lo. E por que negá-Lo? Cristo é a doce e misteriosa tentação do bem.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Haicais natalinos

          I
Sincero ou não,
o “Feliz Natal”
vem do coração.

          II
Noite Feliz.
Mas o amor
não deu pra quem quis.

Quadras natalinas

                  I
“Coração oposto ao mundo”,
diz o poeta. E me calo.
Só protegendo-se do homem
é que é possível amá-lo.

                 II
O peru, ninguém discute,
é o imperador da festa.
A despeito dessa glória,
ele no fundo a detesta.

               III
Tantos votos recebidos
de variado tom e jeito.  
Mas não se ache escolhido,  
pois a glória é do Eleito. 

domingo, 17 de dezembro de 2017

Enigma de Natal

          Nunca fui precoce, por isso acreditei em Papai Noel até o dia em que me disseram a verdade. Invejo quem desconfia cedo de que ele não existe, é uma invenção dos adultos para iludir as crianças. Ao contrário desses espíritos atilados e céticos, dei crédito absoluto a essa fantasia. E fiquei desapontado quando, numa noite de Natal qualquer, desvendaram-me o embuste.
            Quando acordava no dia 25 e via o presente ao lado da cama, eu ficava me perguntando como o Bom Velhinho entrara no quarto. Na casa não havia chaminé, nem sótão, nem clarabóia por onde ele se metesse enquanto a rena planava fora, envolta num halo azul. Devia ter entrado mesmo pela porta da frente, mas quem lhe dera a chave?
            O presente ao lado da cama era a indicação de um mistério. Mas o presente era a “coisa”, o objeto com que eu brincaria dali por diante como o faria com outro presente qualquer. O importante era a origem, o trajeto por ele percorrido até chegar ao meu quarto. Eu queria desvendar o percurso pelo qual esse mistério se fizera presença concreta, materializada num revólver, num jogo ou num carrinho de corridas.
            Nada me levava a desconfiar de que Papai Noel pudesse não existir. A busca pelos detalhes não tinha por objetivo contestar a lenda, mas robustecê-la com os apetrechos da razão – uma incipiente razão infantil. Eu tinha, no fundo, uma grande necessidade de acreditar. E a lógica da crença não é a de São Tomé. Pelo contrário: é crer para ver. Eu acreditava, por isso via, mas queria uma visão sem sombras
            Antes que essas coisas se revolvessem na minha cabeça, minha mãe revelou-me que o Bom Velhinho não existia. O curioso é que me senti dividido quando soube a verdade. Por um lado, não era mais preciso imaginar detalhes para dar verossimilhança à crença; isso trazia uma espécie de alívio. Por outro, o sentimento de ter sido logrado tirava um pouco da beleza do Natal.
            “Se Papai Noel não existe, por que me enganaram?” Ruminei por um tempo essa pergunta, com raiva não tanto dos que promoveram a farsa, mas de mim mesmo. Essa é a reação que temos quando nos sabemos ludibriados. Depois, aos poucos, fui-me consolando graças a um sentimento novo: a sensação de superioridade perante os outros irmãos. Como não sabiam a verdade, eles faziam ingenuamente os pedidos. E na manhã do dia 25 abriam triunfantes os pacotes. Eu os olhava com uma ponta de piedade.
            Fingia que abria o meu pacote e via o presente pela primeira vez. Mas brincara com ele na noite anterior, entre os adultos, pois o conhecimento do segredo me dera também o direito de dormir tarde. De que valia dormir cedo na noite de Natal se não era para esperar o Bom Velhinho?

                                               

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Soneto de Ano-Novo

Ao deparar com a sucessão do tempo, 
o homem se amedronta e se apequena.
Pensa na morte – o vão coroamento   
que o destrói ao lhe extinguir as penas.   

Procura então com o véu da fantasia         
escapar ao rigor da Natureza,   
que o põe no mundo para que um dia
retorne a ela (essa é a certeza).

Para curar-se, enfim, da vã loucura   
de ser perene, suplantar a idade,       
em meio ao tempo que tudo tritura,  

bastara-lhe meditar nesta verdade:  
se o transitório habita no que dura,   
é no instante que mora a eternidade. 

Divagando se vai longe (10)

Reescrever torna a escrita mais fácil. Evita a expectativa de que o que se coloca no papel pela primeira vez seja definitivo. Essa expectativa tende a gerar bloqueio, pois sugere um tudo ou nada. Saber que se produz uma primeira versão, que é retocada depois, deixa o escritor mais tranquilo.
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Três peculiaridades dos profissionais de Educação Física:

 1 - Eles não têm que malhar, pois ganham a vida com o suor dos outros.
 2 - Mostram que as pessoas, ao contrário por exemplo dos automóveis, correm melhor à medida que perdem os pneus.
3 - Embora não tenham diploma de medicina ou semelhante, são capazes de deixar qualquer corpo sarado.

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         Se o homem fosse perfeito, não precisaria ser amado. O amor visa justamente a sanar-lhe as imperfeições. Por esse ponto de vista, não dá para concordar com Clarice Lispector e dizer que a gente ama “apesar”. Amamos “por causa”, para tentar curar o outro do egoísmo e da indiferença. E, sobretudo, porque precisamos dessa cura também.
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                           Exageros    
Fazia um luar tão intenso, que as pessoas saíam à rua de óculos escuros.
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Ela cheirava tão mal que, quando começou a se abanar, não ficou ninguém na sala.
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A bebida tinha um gosto tão ruim, que era servida com um kit para vômito.
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Ela tinha uma língua tão comprida que, quando beijava o namorado, provocava nele uma crise de tosse.
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O escritor não deve fazer o que compete ao leitor. Ele aponta, sugere, diz – mas não pode explicar. Não deve ser reiterativo. Muito menos antecipar o que é percebido sem palavras. A palavra se prolonga no silêncio, que a amplia. Romper esse silêncio é sabotar o sentido. 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Cinema e pipoca

Ir ao cinema e comer pipoca é hoje praticamente sinônimo. Comumente se veem nas filas de entrada pessoas com sacos ou mesmo caixas de pipoca, que tratarão de devorar enquanto assistem às sessões. De onde veio essa mania eu não sei, mas certamente ela se liga ao interesse dos donos dos cinemas por dinheiro. A venda desse tipo de guloseima, segundo li, tem feito pipocar os lucros.
Pipoca não é alimento e até faz mal à saúde. Entra em sua composição a tal gordura vegetal hidrogenada, que se impregna nas artérias mais do que a gordura animal. Quando vejo aqueles sujeitos sentados com um enorme pacote no colo, fico pensando se chegarão ao fim do filme sem terem um infarto. É muita gordura e muito sal ingeridos durante quase duas horas – e ainda mais numa postura sedentária. Quando algum deles se levanta não é para esticar as pernas, mas para comprar outro pacote – ou balde!
Mas, enfim, isso é lá com eles. Cada um sabe o que faz à saúde, e muitos preferem sacrificá-la a abdicar de um pequeno prazer. O problema é que a pipoca, se satisfaz o paladar de quem a come, pode ser um terrível inconveniente para os outros. Experimente assistir um filme ao lado de quem está comendo esses minúsculos objetos crocantes.   
A deglutição deles passa por etapas penosamente acompanhadas por quem está perto. Primeiro vem a trituração, que produz estalidos semelhantes aos de madeira sendo picotada (ou ao crepitar de faíscas numa fogueira). Depois vem a mistura do produto com a saliva, a qual não se dá facilmente pois muito do que parecia triturado tem ainda uns resíduos de milho e precisa ser quebrado de novo. Por fim vem a deglutição propriamente dita, que soa como um gorgolejo devido ao líquido a ela associado (pipoca sem refrigerante não tem graça).
Toda essa operação é acompanhada pelo vizinho, que tenta inutilmente acompanhar o filme e termina engolindo em seco. Não adianta olhar de lado e dar a entender que sente o incômodo, pois ninguém é mais indiferente aos outros do que alguém que come pipoca no cinema. A mastigação ritmada, o trabalho sucessivo com as mãos, o odor levemente acre da manteiga e do milho funcionam como um anestésico. A pessoa chega a se alhear do que passa na tela. A pipoca literalmente rouba a cena.
Às vezes deixo de ir ao cinema com medo de que, junto de mim, se abolete um desses comedores compulsivos. Nem sempre há cadeiras vazias para a gente sentar em outro canto, e ver o filme com tal vizinhança é uma prova de paciência pela qual poucos conseguem passar.    

Sei que deve haver mais pessoas como eu, por isso faço um apelo. Vamos lutar para que se aplique aos comedores de pipoca o que se aplica aos fumantes, ou seja, a destinação de um lugar específico. Eles ficariam separados por um revestimento acústico de quem entrou no cinema com o nobre e salutar objetivo de ver o filme. Afinal é para isso que se paga o ingresso, e não para suportar o incômodo dos estão ali não por razões lúdicas ou estéticas, e sim para satisfazer um tipo mais rudimentar de fome.   

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Noite Feliz

Uma noite somente para o abraço,
para entoar a velha melodia
que nos envolve em amoroso laço.
Uma noite – e desfaz-se a fantasia!

Não basta à nossa fome de carinho   
a centelha que brilha nessa orquestra
de risos, cumprimentos, atavios,
e se consome ao terminar a festa.

Esse mínimo, porém, é que nos cabe     
por consentirmos que os desencontros 
façam que ao bem se sobreponha o mal.

Será que nunca ficaremos prontos
para que a dádiva de amor se alargue   
e toda noite seja de Natal?

Dizer pelo excesso