sexta-feira, 9 de maio de 2008

O tropeço do "Fenômeno"

O episódio de Ronaldo com os travestis mostra que nem todos estão preparados para administrar a fama. Poucos sabem harmonizar a vida pessoal com o atordoante incenso da mídia, que dá aos famosos uma aura de transcendência e uma impressão de poder ilimitado.
Dizem que lidar com a fama é mais difícil do que suportar o fracasso. O fracassado não tem para onde cair, enquanto que o famoso se equilibra num fio instável. Quem está no topo convive com a perspectiva de num ou noutro momento despencar. Isso gera uma pressão psicológica que se agrava pelos conflitos do indivíduo consigo mesmo.
O famoso sabe que, no fundo, é uma pessoa como outra qualquer. A habilidade que tem em determinado setor ou ofício não o torna diferente dos outros. Por vezes, em nível prático ou ético, ele é até inferior e sabe disso. O talento não faria mais do que compensá-lo de falhas na personalidade, no caráter, ou de um imenso buraco na alto-estima.
Acredito que todo famoso viva em alguma medida esse conflito e que, por amor à glória, aprenda a administrá-lo. Greta Garbo retirou-se do mundo para preservar sua imagem. Sabia que o maior inimigo do mito Greta Garbo era a mulher Greta Garbo e resolveu subtrair ao olhar das pessoas esse possível estorvo. Envelheceu sozinha, longe das câmeras e dos flashes.
Sair pela madrugada pescando travestis não é para pessoas do porte de Ronaldo. Em entrevista na TV, o jogador disse ignorar a identidade sexual de suas paqueras. Estranho, pois esse tipo de gente se conhece pela pinta (sem trocadilho).
Vestem-se e se maquiam espalhafatosamente e têm aquele jeito caricato de mulher imperfeita. Falta (ou sobra) alguma coisa neles. Como não os reconhecer nas esquinas da noite? A desculpa não cola para o jogador, que teve com o trio mais de duas horas de convívio.
O que surpreende em Ronaldo não são as idiossincrasias sexuais. Afinal de contas, no campo da sexualidade o indivíduo mais respeitável é reconditamente um devasso. E os que apregoam moralismo são no fundo os piores, como o governador americano que recentemente perdeu o cargo por se envolver com prostitutas.
O que surpreende no “Fenômeno” é o desapreço pelo nome e pela glória. O indivíduo mais simples e humilde, desde que seja homem correto e profissional dedicado, sabe que tem um nome a zelar; que dizer de um jogador que já foi escolhido o melhor do mundo e hoje confere prestígio a programas de respeitáveis órgãos internacionais?

domingo, 4 de maio de 2008

Retórica e vestibular

Os alunos estranham quando falo em retórica nas aulas de redação. Acham uma palavra complicada, dessas que a gente só entende lendo Platão ou Aristóteles.
Está certo, foram os gregos que lançaram as bases da retórica. Mas ninguém precisa ler o tratado de Aristóteles para saber do que ela trata. Na Antiguidade greco-latina, a escrita era basicamente um procedimento retórico. Havia regras para tudo, desde a organização do pensamento até o “embelezamento” do estilo por meio das figuras.
Com o tempo, sobretudo a partir dos românticos, a retórica foi perdendo o prestígio, ou melhor, foi perdendo o caráter disciplinador. Tornou-se menos rígida e normativa – mas a verdade é que nunca deixou de existir. Com isso ganham professores e alunos, que graças a ela podem dispor de técnicas para a elaboração do texto.
Durante muito tempo a retórica foi sinônimo de figuras de estilo. As chamadas “flores retóricas” eram entendidas como um ornamento que dava beleza à linguagem. Hoje os estudos retóricos estão mais voltados para os recursos que melhoram a argumentação. Daí a sua importância no ensino do texto dissertativo.
Ao dissertar, o aluno assume um ponto de vista sobre determinado assunto e deve defendê-lo com argumentos. Argumentar é apresentar provas ou razões que fundamentem determinada opinião. A retórica orienta sobre como fazer isso e tornar o texto convincente, persuasivo. Persuadir é convencer quem nos lê, ou ouve, de que temos razão.
O melhor argumento é o fato (diz o ditado que contra fatos não há argumentos). Para aumentar o poder argumentativo do seu texto, deve o aluno ter informações. Ou seja, ler jornais, livros, revistas. O argumento factual é o mais poderoso, porque não se ampara apenas no raciocínio e, com isto, escapa a sofismas, artimanhas, falsas deduções.
Aos vestibulandos que lêem pouco não há retórica que ajude. Como “nada vem do nada” (Shakespeare), de onde eles vão tirar idéias, exemplos e bons modelos de linguagem?

Pesquisa

Dois amigos se encontram no Ponto Cem Réis e um deles pergunta:
- Você viu a última pesquisa do Ipobe? Noventa por cento dos brasileiros não confiam nos políticos.
- Incrível.
- Incrível por quê?
- Pelos 10% que ainda confiam.

Novela real

A terra tremeu em São Paulo. Se alguma coisa boa esse terremoto trouxe foi sacudir a monotonia do noticiário, que nos últimos dias tem-se fixado na morte de Isabella.
Conheço gente que se apressa para chegar em casa e ligar a TV, a fim saber as últimas sobre o crime. É como se acompanhássemos uma novela real, com enigmas a serem deslindados a cada edição dos telejornais. De repente a novela das oito se transformou num pálido arremedo de drama, um refresco de groselha diante do vinho forte que se pode beber da vida.
Os enigmas são muitos. Havia uma terceira pessoa no apartamento? De quem foram os gritos pedindo para que o pai parasse com aquilo? Esses gritos existiram realmente ou não passaram de um pesadelo acústico de vizinhos sugestionados? E os vestígios do sangue encontrado na fralda, eram mesmo de Isabella?
A trama parece estar longe de ter um desfecho, e o pior é que essa demora favorece os autores do crime. Eles sabem que o tempo varre tudo, inclusive a indignação. Talvez apostem na gradativa amnésia das pessoas e sonhem um dia andar pelas ruas sem serem execrados como agora.
Parece não haver dúvida de que os criminosos foram mesmo o pai e a madrasta. Os laudos apontam para isso, e só foram contestados até o momento pelos próprios suspeitos. Domingo passado eles foram à TV contar sua versão da história e reafirmar inocência.
Imagino que os ouvidos e olhares do Brasil se concentraram nessa entrevista, que não foi boa para o casal. Alexandre me pareceu alheio, disperso, frio. Tentei encontrar em seu rosto traços da dor de quem perdeu um filho. Não encontrei. Ele estava mais interessado, numa espécie de discurso instruído, em reiterar a harmonia em que viviam. Citou várias vezes a palavra “família”, como se o alegado apreço pela instituição pudesse redimi-lo aos nossos olhos.
E a madrasta... essa chorou demais para uma madrasta. Suponhamos que Ana Carolina gostasse mesmo de Isabella. Seria um afeto razoável, que pediria uma demonstração mais contida – sobretudo quando se sabe da rivalidade entre ela e a mãe da menina.
Aquele aguaceiro diante das câmeras me pareceu suspeito e terminou afogando as possíveis virtudes da atriz. Chorar parecia fazer parte do roteiro. Até Alexandre conseguiu arrancar, meio a fórceps, um soluço do fundo da alma.
Não quero dizer que tudo nessas lágrimas tenha sido falso. Em alguns momentos a mulher me pareceu sincera.
A questão é saber por quem eles choraram ou tentaram chorar. Certamente por eles mesmos, antevendo a perspectiva de condenação. Por Isabella, vem chorando grande parte do Brasil.

Dizer pelo excesso