sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Por que o livro é o melhor amigo do homem?

Motivos não faltam:

 - Ele nos acompanha para onde a gente vá. 

- Independentemente do dia, do lugar ou do clima, está sempre disposto a se abrir para nós.

- Desde que a gente o observe com atenção, não nos deixa sair da linha.

- É capaz de contar histórias sérias ou divertidas, mas também nos orienta e instrui.

- Faz-nos “viajar” de forma segura, imune às intempéries, pelos mais diversos lugares do mundo.

- Apresenta-nos a personagens intrigantes e profundos, que nos ajudam a compreender melhor a alma humana. Com essas figuras a gente se identifica e estabelece uma comunhão impossível de estabelecer com as pessoas de carne e osso. 

- Não protesta quando o esquecemos por um tempo, deixando-o às traças, pois sabe que em algum momento a ele vamos retornar.   

- Não se irrita quando a gente o suja, amassa ou rabisca. Pelo contrário, sabe que esses maus-tratos significam que estamos vivamente interessados no que ele nos diz. 

- Não se chateia se a gente, por cansaço ou preguiça, resolve virar a página, ou mesmo substituí-lo por outro. Ciúme não é com ele.

 - Não se constrange quando o apertamos, sopesamos, manuseamos, pois sente esses contatos como uma intimidade destituída de interesses escusos ou de má-fe.

- Não fica magoado quando o passamos a outra pessoa, pois a sua fidelidade é extensiva a todo o gênero humano.

- Está sempre de bom humor, sorrindo para nós de orelha a orelha. 

O oposto da hipérbole

 

Sempre que pergunto em classe qual o oposto da hipérbole, a turma responde que é o eufemismo. Não me deparei com esse equívoco apenas em sala de aula – também o constatei em portais de língua portuguesa. 

A verdade é que o contrário da hipérbole não é o eufemismo. Essas figuras não podem se contrapor, uma vez que se situam em áreas diferentes. A hipérbole diz respeito ao “pathos” (paixão), enquanto que o eufemismo está ligado ao “ethos” (caráter).

Quem produz uma hipérbole o faz abalado por forte impressão emocional. Exagera para comover ou suscitar empatia: “estou morto de fome”, “ele tem uma vontade de ferro” (hipérbole metafórica), “daria a minha vida por você”.

Um conhecido exemplo de hipérbole aparece neste quarteto de Augusto dos Anjos:

 

        ”No tempo de meu pai, sob estes galhos,

        Como uma vela fúnebre de cera,

        Chorei bilhões de vez com a canseira

        De inexorabilíssimos trabalhos.”

 

         Os versos constam do soneto “Debaixo do tamarindo”, em que o poeta confessa o seu amor pela árvore que ensombrava a casa-grande do engenho onde nasceu. Revelam o desespero diante da morte e a esperança de continuidade pela fusão com o organismo vegetal (lê-se no final do poema: “Abraçada com a própria Eternidade/ A minha sombra há de ficar aqui!”).

         A referência ao pranto “bilhões de vezes” chorado e aos “inexorabilíssimos” trabalhos busca traduzir a intensidade de uma Dor que transcende a esfera pessoal. Não é apenas o sofrimento de um indivíduo, mas de toda a espécie humana, com a qual o eu poético se identifica.

No eufemismo, atenuamos um conteúdo desagradável com a intenção de não ferir nem chocar. O que anima esse propósito é a ética, o recato, por vezes a conveniência social. Podemos dizer de alguém muito feio, por exemplo, que “seus traços não são harmoniosos”. Ou, de uma pessoa estúpida, que ela “não tem um cérebro brilhante”. O eufemismo preserva o conteúdo e suaviza a forma.

O seu oposto é o disfemismo, que consiste no uso de expressões deselegantes, grosseiras ou chulas. Na versão disfêmica, o muito feio passa a “horrendo”, “um parto”, “um frankenstein”. O pouco inteligente é chamado de “anta”, “burro”, “quadrúpede”. O disfemismo é uma intensificação pejorativa e visa agredir ou chocar.  

         Numa de suas crônicas, Adriano Silva critica os que nada fazem sem escutar a opinião alheia e são capazes de perder o dia caso não recebam um sorriso de aprovação. Ele diz invejar os indivíduos autossuficientes, que “resolvem suas inseguranças (...) sem expor o traseiro nu na janela”. Essa referência ao “traseiro nu” é uma imagem disfêmica; por meio dela o autor critica os que costumam expor aos outros a sua intimidade.

Qual é então oposto da hipérbole? É a hipossemia, que se caracteriza pela diminuição do conteúdo significativo das palavras. Ela ocorre, por exemplo, quando alguém afirma ter sentido “uma dorzinha” que o levou ao a passar três dias no hospital; quando a mãe ameaça dar “umas palmadas” no filho (em vez de uma surra); ou quando o ricaço diz que deu “um pulo” na Europa para saber as novidades.

Vejam que nesses casos, ao contrário do que ocorre no eufemismo, não existe o propósito de suavizar um conteúdo desagradável. O emissor minimiza o sentido para reduzir a dimensão do que faz, e não para evitar agredir quem quer que seja. O que determina as escolhas é menos o decoro do que o afeto, a emoção.

O poder da frase