domingo, 29 de maio de 2016

Aforismos brasileiros (2) - Paulo Mendes Campos

 “Os melhores e mais fundos milagres acontecem devagar, muito devagar.”


Esse aforismo aparece numa crônica em que o autor explica a uma adolescente passagens de “Alice no país das maravilhas”. A garota, que acabara de completar 15 anos, está na idade de acreditar que certas coisas acontecem por uma espécie de mágica. O autor a desilude ao mesmo tempo que a instrui (e qual o saber que não leva a uma perda da ilusão?). Geralmente se associam os milagres a ocorrências súbitas e excepcionais, que subvertem a ordem da natureza. A menina aprende que os milagres existem, sim, mas não ocorrem como se pensa. Resultam de um lento trabalho da vontade e da obstinação. Não são o domínio do extraordinário, do inesperado, mas do que pode acontecer ao homem desde que o animem a ação, a paciência e a esperança.

domingo, 22 de maio de 2016

Aforismos brasileiros (1) - Nelson Rodrigues



                            Só o inimigo não trai nunca.” 

Uma variante desse aforismo poderia ser: o ódio é mais fiel do que o amor. Com ele Nelson exercita uma de suas marcas, que é o gosto pelo paradoxo, e ao mesmo tempo revela um profundo conhecimento sobre os homens. Um conhecimento cheio de ceticismo e desencanto. O inimigo não “trai”, mantém-se firme em seu malquerer. Já o amigo é incerto; a amizade, mais do que o seu oposto, sofre os efeitos da inconstância humana. A ausência de traição não significa, é claro, que o indivíduo deva cultivar inimigos. Pelo contrário, nos previne de que eles são perigosos. Entretanto a persistência com que praticam o seu rancor obriga-nos a vigiar o nosso comportamento. Ao contrário dos amigos, eles nunca perdoam. 

domingo, 15 de maio de 2016

Sem rota



A vida é uma viagem
que se faz sem fazer.
Não há lugar de onde se parta
nem aonde se chegue.
É tudo aqui e nunca.

Os que pensam viajar 
não saem de onde estão,
e nesse permanecer
é que eles vão.   

Os que não querem partir  
também assim viajam,
pois, saia-se ou não,
sempre se está a caminho.

De onde, não se sabe,   
já que não há roteiro.   
E a morte colhe, indiferente,  
quem imagina conhecê-lo.

domingo, 1 de maio de 2016

Dominical

Uns estão na igreja,
outros no bar
(duas formas de preencher o vazio).
Depois será o duro despertar
para mais uma semana
de gestos profanos e frios.

(Da série "Meus pecados poéticos") 


Dizer pelo excesso