Aproveito
a releitura de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” para trocar um dedo de prosa com o seu autor. “Trocar” não é bem o termo, pois só quem falou foi Machado.
Nossa conversa,
além de instrutiva,
serviu-me para matar o tédio de um dia sem graça. Espero que
tenha para o leitor
a mesma serventia:
– O senhor
é um autor
melancólico. Por que
se liga tanto
no passado?
– O menos mau é recordar. Ninguém se
fie da felicidade presente;
há nela uma gota da baba
de Caim. Corrido o tempo
e cessado o espasmo, então sim, então talvez se
pode gozar deveras.
– Em sua obra é comum o tema da loucura.
Há alguma justificativa para
isso?
– O mundo da lua,
esse desvão luminoso e recatado do cérebro,
que outra
coisa é senão
a afirmação desdenhosa da nossa liberdade espiritual?
– Por que
escolheu um “morto” para ser o narrador de “Memórias Póstumas...”?
– A franqueza é a primeira
virtude de um
defunto. O olhar
da opinião, esse
olhar agudo e
judicial, perde a virtude,
logo que
pisamos o território da morte.
– De fato, um morto não se
importa com o julgamento
alheio...
– Não há nada tão incomensurável
como o desdém
dos finados.
– Por que
é tão difícil
a franqueza nas relações
sociais?
-- A veracidade absoluta é incompatível
com um
estado social
adiantado.
– Outro tema recorrente em sua obra é a
ambiguidade moral do ser
humano. Por
quê?
– O vício é muitas vezes o estrume
da virtude.
– Até que ponto essa ambiguidade é determinada
por fatores
externos?
– Não se pode honestamente
atribuir à índole original de um homem o que é puro efeito de relações sociais.
– Apesar disso, transparece na sua
obra a ideia de que
o homem é fundamentalmente
egoísta.
– O nosso espadim é sempre
maior do que
a espada de Napoleão.
– Que conselho o senhor daria a um jovem de hoje?
– Trata
de saborear a vida;
e fica sabendo que a pior filosofia
é a do choramingas que
se deita à margem do rio
a fim de lastimar
o curso incessante
das águas.
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