domingo, 4 de maio de 2008

Novela real

A terra tremeu em São Paulo. Se alguma coisa boa esse terremoto trouxe foi sacudir a monotonia do noticiário, que nos últimos dias tem-se fixado na morte de Isabella.
Conheço gente que se apressa para chegar em casa e ligar a TV, a fim saber as últimas sobre o crime. É como se acompanhássemos uma novela real, com enigmas a serem deslindados a cada edição dos telejornais. De repente a novela das oito se transformou num pálido arremedo de drama, um refresco de groselha diante do vinho forte que se pode beber da vida.
Os enigmas são muitos. Havia uma terceira pessoa no apartamento? De quem foram os gritos pedindo para que o pai parasse com aquilo? Esses gritos existiram realmente ou não passaram de um pesadelo acústico de vizinhos sugestionados? E os vestígios do sangue encontrado na fralda, eram mesmo de Isabella?
A trama parece estar longe de ter um desfecho, e o pior é que essa demora favorece os autores do crime. Eles sabem que o tempo varre tudo, inclusive a indignação. Talvez apostem na gradativa amnésia das pessoas e sonhem um dia andar pelas ruas sem serem execrados como agora.
Parece não haver dúvida de que os criminosos foram mesmo o pai e a madrasta. Os laudos apontam para isso, e só foram contestados até o momento pelos próprios suspeitos. Domingo passado eles foram à TV contar sua versão da história e reafirmar inocência.
Imagino que os ouvidos e olhares do Brasil se concentraram nessa entrevista, que não foi boa para o casal. Alexandre me pareceu alheio, disperso, frio. Tentei encontrar em seu rosto traços da dor de quem perdeu um filho. Não encontrei. Ele estava mais interessado, numa espécie de discurso instruído, em reiterar a harmonia em que viviam. Citou várias vezes a palavra “família”, como se o alegado apreço pela instituição pudesse redimi-lo aos nossos olhos.
E a madrasta... essa chorou demais para uma madrasta. Suponhamos que Ana Carolina gostasse mesmo de Isabella. Seria um afeto razoável, que pediria uma demonstração mais contida – sobretudo quando se sabe da rivalidade entre ela e a mãe da menina.
Aquele aguaceiro diante das câmeras me pareceu suspeito e terminou afogando as possíveis virtudes da atriz. Chorar parecia fazer parte do roteiro. Até Alexandre conseguiu arrancar, meio a fórceps, um soluço do fundo da alma.
Não quero dizer que tudo nessas lágrimas tenha sido falso. Em alguns momentos a mulher me pareceu sincera.
A questão é saber por quem eles choraram ou tentaram chorar. Certamente por eles mesmos, antevendo a perspectiva de condenação. Por Isabella, vem chorando grande parte do Brasil.

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