Uma das composições mais citadas de Mario Quintana é o “Poeminha do contra”. Dizem que foi escrita após o poeta ter sido pela terceira vez derrotado na eleição para a Academia Brasileira de Letras.
Pouco importa se teve esse caráter circunstancial; sobretudo pelos versos finais, o poema vale como uma lição de desprendimento e ironia. Ao mesmo tempo, serve para uma breve reflexão sobre as relações entre a língua e determinados procedimentos poéticos. Vamos ao texto:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho! (Prosa e Verso, 1978)
O tema é a velha oposição entre o eu e os outros. O eu lírico refere nos dois primeiros versos o conflito entre o indivíduo, em busca de realização e plenitude, e os que constituem um obstáculo a isso.
A noção de “outros” está representada em tom de menosprezo pelo demonstrativo “esses”, que não se refere a um antecedente preciso. Pelo contrário, remete a um conjunto amplo, fora do texto, conforme indica o pronome indefinido “todos” que lhe está anteposto.
A imprecisão acentua-se com o uso do advérbio pronominal “aí”, que não delimita o espaço mas o apresenta próximo, contíguo. Isso antecipa a idéia de incômodo e opressão reforçada a seguir pelo verbo “atravancar”. Esse verbo, de valor metafórico, concretiza o que até então soava abstrato. É o primeiro vocábulo lexical – ou seja, referente ao mundo externo – depois de um conjunto de termos gramaticais (todos, esse, aí).
Do ponto de vista sintático, o poema se estrutura como um aparente anacoluto. Tem-se a impressão de uma quebra entre o sujeito (todos esses) e o predicado “passarão”. Trata-se na verdade de um pleonasmo, pois “todos esses” é retomado pelo pronome pessoal “eles”.
Nos versos finais, o efeito poético resulta da oposição entre os parônimos “passarão / passarinho”. Nessa oposição há uma ruptura de paralelismo morfológico; depois de “passarão” espera-se que apareça outro verbo, mas vem um substantivo.
A justaposição entre “ão” e “inho” sugere um contraste entre sufixos – um marcando o aumentativo, outro o diminutivo. Mas a forma “passarão”, como se disse, é também (ou sobretudo) verbo; e nesse vocábulo o que parece sufixo é na verdade a associação entre desinências de modo, pessoa e número (rã-o).
No uso ambíguo de “passarão”, está uma das maiores riquezas do poema. Como verbo, “passarão” indica o efêmero destino dos que se opõem ao eu lírico; eles serão apagados pelo tempo.
Como nome, e com o sentido literal de “pássaro grande”, se opõe aos atributos de canto, leveza, liberdade, aplicáveis a “passarinho”. Esses atributos remetem à idéia de poesia; é pela identificação com eles que o eu se reconhece capaz de vencer o tempo.
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Ola, Chico! Desculpa a demora em responder seu comentario, mas estou estudando feito uma louca para a segunda fase da ufcg e ufpb... Nao vejo a hora de acabar tudo isso (desde que eu passe, claro!).
ResponderExcluirNossa, tenho ateh medo de deixar recado para vc, deve ter um monte de erro nesse comentariozinho de nada... rsrsrrss
Bom, da proxima vez que eu entrar (depois das provas da ufcg) vou ler os seus posts mais antigos. Gosto muito dos seus textos!
Um abraço!
Obs.: meu teclado estah desconfigurado e assim os acentos nao pegam... Desconsidere as palavars sem acento! :P
ResponderExcluirLinda análise! Levantou detalhes para os quais eu nem havia atentado. Adorei!
ResponderExcluirObrigado!
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