Tristão e Isolda passaram à História como o protótipo dos que se sacrificam por amor. Com eles nascia a paixão, esse misto de êxtase e sofrimento que o Romantismo incorporou à sua visão de mundo e ainda hoje influencia do teatro à música popular.
O fim trágico desse casal, repetido por Shakespeare em Romeu e Julieta, consagra a idéia de que o verdadeiro amor só se prolonga na morte. Só a morte interrompe o corrosivo trabalho do tempo, que aos poucos tira dos amantes a aura com que se vêem um ao outro e os transforma em seres comuns, prosaicos, iguais a todo o mundo.
“Romance”, ora em cartaz, parte da lenda de Tristão e Isolda para discutir essa tendência idealizadora da paixão – mas não apenas isso. Transforma a discussão entre idealismo e realismo numa reflexão consistente sobre o próprio sentido da arte. Ou melhor: sobre a arte, identificada com o teatro, e sucedâneos comerciais como a novela de televisão.
Wagner Moura faz o diretor obcecado com a pureza da arte de representar, cuja essência se encontra no teatro. Letícia Sabatella interpreta a atriz disposta a conciliar teatro com televisão. O casal simboliza o velho conflito entre o feijão e o sonho, e os dois acabam se afastando num primeiro momento.
Reencontram-se três anos depois, numa montagem de “Tristão e Isolda” feita no interior da Paraíba, para vivenciar os desdobramentos desse conflito. Agora o personagem do diretor, que fez o roteiro para a nova representação, tem de enfrentar o demônio do ciúme; sua antiga amada apaixona-se pelo ator de novela disfarçado em caipira que faz o papel de Tristão.
Esse ator é um sujeito bonitão e matreiro, que está mais interessado em comprar carros de luxo do que na nobreza da arte. O final é romanticamente convencional, com o desmascaramento do vilão e a reaproximação dos personagens do diretor e da atriz.
O filme tem um roteiro bem trabalhado, e uma montagem que articula agilmente os elementos da trama com representações iconográficas de “Tristão e Isolda”. Um dos pontos fortes é o elenco, afinadíssimo, com destaque para o casal de protagonistas. Letícia Sabatella, linda e vibrante, impressiona pelo domínio dos recursos teatrais. E Wagner Moura expressa na medida o misto de quixotismo, abnegação e ironia que caracteriza seu personagem.
“Romance” é um filme sobre amor e sobre cinema. Sobre o amor à arte e sobre as eventuais traições que os artistas são obrigados a fazer a ela. Para os roteiristas Guel Arraes e Jorge Fernando, que trabalham na televisão, terá sido uma espécie de catarse. Para nós, espectadores, é a possibilidade de apreciar o aproveitamento atualizado e criativo de um velho tema.
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