terça-feira, 10 de novembro de 2009

Nudez imprópria

Numa passagem de “Dom Casmurro”, Bentinho passeia com o agregado José Dias numa das ruas centrais do Rio. Vão conversando amenidades (José Dias disparando seus superlativos) quando uma mulher tropeça a poucos metros deles. Com a queda, ela deixa ver parte da liga que lhe aperta uma das meias.
Para Bentinho, seminarista sem vocação, o efeito é arrebatador. Os dois continuam a conversa mas o rapaz não consegue tirar a cena da cabeça. Sua perturbação não diminui quando ele chega ao seminário, pois, como escreve Machado, “as batinas tinham ar de saias”. Ou seja, a indumentária dos padres evocava o tombo da mulher e a exposição do artefato erótico.
“Uma liga!” -- se espantará o leitor de hoje. É certo que não se usam mais ligas, nem meias, nem aqueles vestidões compridos que pareciam embalsamar o corpo feminino. Naquele tempo a roupa quase não mostrava nada, e justamente por isso o pequeno elástico que fazia a meia aderir à coxa era um poderoso estopim erótico. Era uma pista, um indício que acendia a imaginação e com ela o desejo (o erotismo não está no que se explicita, mas no que se entremostra e apela à imaginação).
Lembrei-me dessa passagem a propósito da estudante de São Bernardo do Campo que foi vaiada, e quase linchada, por haver ido à faculdade seminua. A televisão mostrou e repetiu a cena: a moça acuada numa sala, chorando, e do lado de fora uma multidão uivando como uma horda de lobos morais. Se pudessem a estraçalhavam ali, em nome dos bons costumes. Quando ela saiu, sob escolta, teve que ouvir gritos de p... até deixar o estabelecimento.
Muito se discutiu o comportamento da turba, que parecia tomada por uma ira santa. Uns o consideraram injustificável numa época de costumes arejados. Não se explicaria tanto puritanismo em pleno século 21, quando a mulher quebrou tabus a ponto de usar biquíni e fio dental. Mais do que zelo pelos bons costumes, haveria nas vaias intolerância e preconceito.
A reação não parecia coisa de civilizados, concordo, mas é preciso reconhecer que a moça apelou. Foi para a faculdade com um microvestido vermelho que lhe deixava as pernas de fora e era um chamariz para os olhares masculinos. Quem vai às aulas daquele jeito quer mesmo estudar? Ou quer chamar a atenção para si com a mira em outros propósitos? O exibicionismo do corpo não se harmoniza com a concentração e o recato exigidos numa sala de aula.
Se faltou à turba moderação, faltou à garota senso. O despropósito com que se vestiu mostra que ela não tinha noção de onde estava. Ou, se tinha, ignorou a praxe e acabou atentando contra o decoro. As vaias agressivas seriam uma forma de revidar o acinte.
Estamos longe do tempo em que a visão de uma liga era capaz de tirar o sono de um adolescente. A liga se foi, e com ela o pudor, que tornava o corpo feminino um mistério. Ninguém precisa fantasiar o que se escancara nas ruas, nos bares, nas praias, e torna banal a nudez. Certos limites, contudo, devem ser preservados. Se à mulher não é mais proibido se desnudar, que pelo menos ela se dispa em locais convenientes.

3 comentários:

  1. Acho que ela errou mesmo em ir vestida daquele jeito para a aula, mas acho que pior foi a atitude dos colegas e dos outros alunos da universidade. É lamentável que as pessoas não se respeitem mais (ou será que algum dia se respeitaram?), vaiando, xingando... Acho que ir vestida da forma que a estudante foi vestida só diz respeito à moral dela mesmo, quem não estiver gostando não olhe ou não se vista igual.
    Eu jamais iria vestida daquela forma para a aula, mas acho que ela estava no direito de se vestir como achasse conveniente, a não ser que a faculdade tivesse regras claras em relação à vestimenta dos estudantes, o que não pareceui acontecer, tendo em vista que ela edentrou o ambiente.

    Bom, hora de voltar para os estudos da madrugada.
    Abraços, professor!

    Luana

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  2. Concordo com você, achei atitude dos alunos exagerada, da mesma forma que atitude da aluna com aquele vestido foi bastante exagerada, não só pelo comprimento mínimo, mas também, pelo aperto em seu corpo. A atitude dos alunos foi injustificada, mas me interrogo... não teria esse dia o explodir de algo que já vinha acontecendo há muito tempo?

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  3. chico, quais da semana vc recebe as pessoas em seu gabinete e qual horário?

    Gostaria de conversar com o vereador que eu ajudei a eleger.

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