Dizem que no início dos tempos
não havia distância
entre as palavras
e as coisas. Cada
objeto ou
ser era o que
significava e, reciprocamente, significava o que
era. A palavra
“fogo” queimava, a palavra
“medo” tremia, e um
vocábulo como
“dor” parecia gemer.
Falar disso é entrar no reino da animização, mas não
podemos fugir da metáfora
quando nos
referimos às origens do homem e da linguagem.
A própria ideia de que
palavra e coisa
se identificavam era uma interpretação
mítica. Essa união original entre palavra e objeto, ainda que fundada no
animismo, servia como um ponto de partida para compreender a complexa natureza
da comunicação.
Quem
éramos antes de começarmos a falar? A Bíblia remonta o início
de tudo à palavra:
“No princípio era
o Verbo”. Para as Escrituras, antes da palavra
não havia o homem.
A linguagem é que
nos engendra. Lacan repetiria isso
séculos depois ao afirmar
que o homem
não fala
porque é; é, porque
fala. Ou seja: a linguagem não constitui
apenas uma ferramenta; ela é sobretudo um elemento fundador da nossa existência.
Molda quem somos antes mesmo de qualquer ato de fala consciente.
Especulações
metafísicas à parte,
sabemos hoje que é próprio
das palavras representar
o que não
são. O pai
da linguística moderna, Ferdinand de
Saussure, descreve essa característica como arbitrariedade do signo.
Os signos são
arbitrários porque
não existe relação
necessária entre
eles e os objetos
ou seres
que designam.
O que nos faz chamar uma bola de “bola”?
O artefato esférico
de couro com que jogamos uma boa pelada
bem podia se chamar
“linguiça”. E diríamos com a maior naturalidade:
“chute a linguiça”, “rebata a linguiça”,
“encaixe a linguiça”. Essa
arbitrariedade diminui no plano da realização artística, em que os signos são motivados
devido à maior vinculação entre significado e significante, mas mesmo aí não se
desfaz totalmente.
Daí
concluímos que, se o sentido das palavras é convencional,
não existe uma essência
da linguagem. Toda
semântica, ou
seja, toda relação
entre significante
e significado envolve uma mentira, um
jogo em
que a verdade
se dissimula pela própria
insuficiência do signo.
Se
acrescentamos a isso a natural má-fé do ser humano, que é um mestre na arte de disfarçar seus desejos e intenções, compreendemos o quanto
estamos longe de nos
entendermos. A comunicação entre os homens
é uma teia de equívocos,
em que
cada um
imagina dizer o que
os outros supõem estar
ouvindo.
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