sábado, 3 de dezembro de 2011

Terapias

Ele andava triste, sem ânimo, às vezes com vontade de morrer. Os amigos notaram o seu estado e o aconselharam a procurar um médico. Recusou com veemência, pois não acreditava em medicina para a alma.
Mas uma noite teve um sonho esquisito. Sonhou que era um macaco pequeno, o único macaco entre seus irmãos. A mãe o olhava com indisfarçável repugnância e hesitava entre alimentá-lo ou deixá-lo morrer de fome. Ele então chorava, gritando e agitando uma campainha. Isso provocava a raiva do pai, que abraçava a mulher e o ameaçava com um facão. Enciumado, ele procurava um canivete para matar o pai mas era impedido pelos irmãos, que resolviam levá-lo para um zoológico. Lá o enfiaram numa cela, onde ficou se debatendo até que um funcionário chegou junto dele e perguntou: “O que é que está havendo? Fale! Fale!”. Não conseguia dizer nada.
Ficou tão intrigado com o sonho, que decidiu vencer o preconceito e consultar um psicólogo. Mas quem? E, sobretudo, de que linha? Resolveu divulgar o sonho na internet e aguardar sugestões. Eis alguns e-mails que recebeu:
1) Seu sonho reflete um complexo de Édipo mal resolvido. Você e o seu pai disputam o amor da sua mãe, daí o ódio que sente por ele e o desejo de matá-lo. A oposição entre o facão e o canivete é uma representação metafórica da inveja do pênis associada ao temor da castração. Sua terapia deve ser psicanalítica, e de base freudiana.
2) Impressionou-me, no seu sonho, a repugnância da mãe ao constatar o aspecto simiesco do filho. A dúvida entre alimentá-lo ou não é uma clara metonímia do conflito entre o seio bom e o seio mau. Você ainda hoje não sabe se ela o ama ou o odeia, e precisa resolver esse conflito. Do contrário, a sensação de desmamado o acompanhará pelo resto da vida. Sugiro-lhe uma psicoterapia kleiniana.
3) Seu sonho é carregado de significantes -- a referência ao som da campainha, por exemplo. Uma das onomatopeias para esse objeto é “ding”, que remete à Coisa (Das Ding), ou seja, ao Objeto Perdido. Sintomaticamente, você não fala. Se não fala, não tem o falo, o que não é nenhuma falácia (talvez uma faloácia). A ausência da fala/falo o deixa fulo e mostra que você se encontra numa posição infantil diante do Nome do Pai. É preciso trabalhar isso. Procure já um terapeuta lacaniano.
4) O sonho é claríssimo, ora. O macaco representa a porção animal que você se recusa a inibir diante do pai opressor. É preciso dar vazão a essa torrente de instinto por meio de uma terapia regressiva, que o reconduza à liberdade da horda primeva. É preciso soltar o grito primal.
5) Esqueça qualquer tipo de simbolismo para esse sonho. O motivo do seu sofrimento são pensamentos errados. Posso acompanhá-lo a um zoológico, em cinco sessões, para mostrar que você não é macaco coisa nenhuma. Compararemos seu comportamento com o dos símios e você se convencerá de que gosta de mais coisas além de banana e não consegue andar com tanta destreza sobre o tronco das árvores. Recomendo-lhe (e me apresento) um terapeuta cognitivo-comportamental. (Em A idade do bobo, p. 14-16)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O poder da frase