Manuel
Bandeira encerra o poema “Epílogo”, escrevendo: “–
O meu carnaval sem nenhuma alegria!”. É um verso triste, em que não devemos nos
iludir com o ponto de exclamação. Ele
está ali para indicar perplexidade, pois o que menos se perdoa em alguém nessa
época é a falta de alegria.
Esse argumento me faz ponderar se devo
escrever sobre o Carnaval. Conheço pouco do assunto, por falta mesmo de
experiência, e tudo que dissesse me faria, digamos, perder o passo. Esta
palavrinha, folião, pode se aplicar a todo o mundo, menos a mim. Nas vezes em
que tentei entrar no espírito da festa, pequei por inércia e me deparei com uma
assombração. Ou melhor, com uma sombra, espécie de ectoplasma da minha indiferença
e sisudez.
Mas nem tudo foi assim tão escuro; tive meus
pequenos arroubos nas ruas e clubes da vida. Há no Carnaval uma enorme porta
aberta para o avesso do que somos, e à qual ninguém fica indiferente. Pode-se não
cruzar o umbral, não aderir ao frenesi, no entanto é impossível não se encantar
com o que do outro lado nos acena.
Para
quem tem dificuldade de ir no arrasto, o álcool é um excelente indutor. Foi ele
que me salvou nas bailes da adolescência, quando era preciso convidar as
meninas para o meio do salão e me manter por ali, acompanhando o ritmo de frevos
e marchas. Eu era um tímido assumido (e quase sumido), e sem a vodca ou o rum
ficaria emperrado.
Essas bebidas depois cobravam ao
fígado a coragem que me davam, mas sem elas era pior. Melhor a náusea, a dor de
cabeça e o vômito do dia seguinte do que a sensação de ter se subtraído ao
apelo geral. Um apelo feito de música, risos, carne.
A falta de jeito terminou se impondo, e
com o tempo não forcei mais. Fui aprendendo a sublimar os prazeres da festa. Deixei
de ir a clubes e cordões de folia, preferindo ver o espetáculo da calçada e,
depois, pela televisão. Isso coincidiu com o avanço da idade, que naturalmente
nos torna menos carnavalescos. O Carnaval exige corpo, energia, disposição para
a noite e a aventura – requisitos que diminuem com o tempo.
O fato de essa diminuição despertar
o gosto pela nostalgia nada tem de surpreendente. Lembrar velhos carnavais é
uma das melhores ocupações desta época. Pouco importa se participamos ou não
deles; importa é o que lhes acrescentamos de imaginação. Não conheço ninguém
que não tenha saudade dos “carnavais de outrora”, que são sempre melhores do
que os de hoje. “Outrora” não remete a décadas atrás, ou mesmo a um passado
longínquo; remete a uma dimensão fora do tempo, onde vigoram nossas fantasias.
Fiquei
me devendo alguns carnavais, mas quem nesse tipo de experiência pode dizer que
teve tudo? Mesmo quem se dá totalmente aos festejos chega ao fim com a sensação
de que faltou alguma coisa. Isso consola um pouco os enrustidos, mas não os
compensa da sensação de que os que brincam são mais completos. E mais felizes.
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