Aprimorar o processo de
correção do Enem é fundamental para tornar justa a avaliação dos candidatos. O governo
vem tentando fazer isso, conforme demonstraram as medidas tomadas para impedir
que em 2013 se repetisse o que ocorreu em 2012. No ano retrasado, redações com
inserções indevidas (hino de clube, receita de macarrão) foram corrigidas
normalmente. No ano seguinte redações desse tipo foram anuladas, por se
entender que seus autores não tinham a intenção de fazer o exame a sério.
O “Guia do Participante – 2013" trazia
instruções claras quanto a esse ponto. Lia-se na página 9 que a redação receberia
zero se apresentasse, entre outras características, “impropérios, desenhos e outras formas
propositais de anulação ou parte do texto deliberadamente desconectada do tema
proposto”. Também eram condições para zerar “fuga total ao tema”, “não
obediência à estrutura dissertativo-argumentativa” e “texto com até 7 (linhas)”,
entre outras práticas.
O
debate levado ao ar pelo Fantástico no
último dia 4, e do qual participei com outros quatro professores, tinha por
objetivo avaliar até que ponto essas recomendações foram observadas pelas
bancas. Jornalistas ligados à produção do programa escreveram textos infringindo-as
propositadamente, por vezes de forma gritante, de modo que não suscitassem dúvidas
quanto aos problemas que apresentavam. Nesses textos constavam, além de hinos
de clube, comentários que nada tinham a ver com o tema, internetês, língua do “P”
etc.
Das dez redações produzidas pelos jornalistas,
apenas quatro foram zeradas. Os corretores oficiais penalizaram algumas brincadeiras
e despropósitos, mas deixaram passar as cópias. Elas apareciam em textos nos
quais apenas o primeiro parágrafo era da autoria do “candidato” e, por não
totalizarem mais de sete linhas, se enquadravam entre os que deveriam ter sido anulados.
Esse é um ponto que merece reflexão. Por que
os plágios não foram percebidos? Excesso de provas para corrigir? Falta de
leitura atenta dos textos motivadores? Numa das redações as cópias não eram
desses textos, mas de outras partes da prova; como não era dever dos examinadores
ler a prova toda, pode-se alegar que eles não tinham como perceber os plágios. A
alegação não procede, pois a redação que o “candidato” elaborou com os
enunciados de várias questões era uma colcha de retalhos. Cada parágrafo tinha um
tópico, que não se conectava com o anterior. Uma leitura minimamente atenta notaria
as falhas de coerência e progressão.
O texto mais controverso foi o que
apresentava informações desconexas, sem nenhuma base histórica, mas sobre os
quais poderia pairar uma leve dúvida: deboche, provocação, ou mesmo ignorância?
Como várias vezes me deparei com redações semelhantes, não considerei que tivesse
havido os dois primeiros propósitos. O candidato que desconhece o AI-5 ou as
circunstâncias da morte de Getúlio Vargas deve ser proporcionalmente penalizado
por isso. O zero era excessivo devido a determinadas virtudes que o texto
apresentava, como boa estruturação e correção linguística (dificilmente
encontradas, por sinal, em alunos que tivessem um nível tão baixo de informação).
Por tais virtudes dei ao “candidato” 300 – a metade dos 600 com que o Enem
generosamente o avaliou.
Também suscitou polêmica o texto em que o
candidato se dirigiu duas vezes a Papai Noel. Essa foi uma inserção descabida,
voluntariamente jocosa, e que também me fez dar zero à redação. Fiz isso tanto pelo
apelo ao “Bom velhinho” (assim o “candidato” o tratou na segunda vez em que se
dirigiu a ele), quanto pela descaracterização do gênero pedido no Enem. A
inclusão dos vocativos transformou o texto numa mistura de dissertação
argumentativa e... “carta a Papai Noel”.
Pelo
que se viu no debate, não se pode dizer que as bancas ignoraram as
determinações do Inep. No entanto, com algumas exceções, atenderam-nas no que
saltava aos olhos. As maiores falhas foram naquilo que dependia de uma leitura
detida, que só pode fazer quem tem não apenas preparo, mas tempo para avaliar
com atenção os textos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário