quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O Ano-Novo em vários estilos

                                   Estilo Nelson Rodrigues

        Na noite de Ano-Novo, Orlandinho chegou em casa e encontrou Zulmira fazendo amor com seu melhor amigo (dele, não dela). Matou os dois a garrafadas de champanhe, que escorreu pelo chão e se juntou ao sangue dos traidores.
      Orlandinho brindou aos falecidos e depois se entregou à polícia, chorando lágrimas de esguicho.
                                                  
                                        Estilo adjetivo

         Entre álacres e retumbantes comemorações, saudamos o alvorecer de mais um ano. No bojo dessa auspiciosa efeméride, que em todos desperta miríades de sonhos e ratifica a sapiência de pretéritas verdades, projetamos o facho interminável da esperança a fim de que ele ilumine a tumultuária senda de nosso glorioso porvir.

                                  Estilo cético-pessimista

Mais um anopara quê? Até hoje tem sido tudo igual (e não me venham com brindes, que eu quebro a taça).

                          Estilo bacharelesco

Convoco, data venia, os egrégios membros deste Colegiado a se solidarizarem com a passagem de mais um ano. É certo que ignoti nulla cupido, no entanto não convém procrastinar a alegria nem subsumir no desencanto a esperança de que em 2015 tenhamos legítimos ganhos tanto na esfera privada quanto na pública. Para isso devemos ser complacentes e tolerantes, jamais nos esquecendo de que summum jus, summa injuria. Tenho dito
                            
                               Estilo teen

Mais um ano, é isso . Acho superemocionante. Eu me sinto, tipo assim, um personagem de Matrix atravessando vários túneis do tempo. Não sei o que vai rolar daqui pra frente, mas acho legal essa coisa de futuro!
 
                       Estilo coluna social  

Hoje à noite borbulharão champanhe e alegria para saudar 2015, que promete ser um ano de muito sucessosobretudo para os que estão no topo. Em dúvida sobre como se vestir, use aquele modelito branco com incrustações de miçangas compradas em Pipa. Você vai arrasar!! Deixe de lado a depré mas curta o réveillon sem exagero, para evitar aqueeeela ressaca. Lembre-se de que a festa (ou as festas) está começando!
                                           
                               Estilo Augusto dos Anjos

                                 Meia-noite. Sob um luar sombrio
                                 A multidão, em múltiplos arroubos,
                                 Espera na orgia e no delírio
                                 O despertar de mais um ano novo.

                                 Jovens casais, sem que os iniba o pejo,
                                 E como por uma endêmica falta de mãe,
                                 No afã canibalístico do beijo,
                                 Trocam entre si saliva e champanhe.

                                  Junto à mesa de um bar, e numa ânsia
                                  A que nenhum castigorebote,
                                  Uma mulher exibe a uma criança
                                  O atro vórtice carnal do seu decote.

                                  Um velho sátiro, que, possivelmente,
                                  Padece de gota e pedras no rim,
                                  Persegue, com uma fúria de demente,
                                  A anca bamboleante de uma teen.

                                  Essa bronca euforia com que o Ano- 
                                  Novo é comemorado pela humana coorte
                                  Não disfarça o letal e estúpido engano
                                  Com que marchamos todos para a morte.
         
                                       Estilo nominal 

        Meia-noite. Fogos. A multidão de branco. Bebida, gritos, beijos. Choro. Adeus, 2007.    

                                  Estilo onomatopeico

         E de repente, na praia, bum! ba! pum! Era o Ano-Novo. Casais shuft beijando-se, crianças rhin, rhin chorando, querendo ir embora cedo. E os pais croque!! bem no cocuruto. Gente tcham!!! mergulhando no mar depois da meia-noite. E nas tendas ploc, grub, bup, shiii comida e bebida. Depois aarrrgh indigestão!

                                   Estilo hiperbólico

         Foi um réveillon fantástico, com trilhões de fogos cujo brilho jamais ser humano viu. Havia mais pessoas que grãos de areia na praia e à meia-noite todos se apertaram as mãos e se beijaram, comovidos. E choraram tanto que as lágrimas engrossaram as águas da maré. De vazia, ela ficou cheia e mais salgada.
O que mais me chateia, quando eu conto isso, é dizerem que estou exagerando.

          (Republicado da minha antiga coluna no jornal “A União”)

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