Há algum tempo o “Fantástico” abordou a
tentativa feita por alguns empresários de corromper um gestor hospitalar. A
matéria era sobretudo didática, pois mostrava com fartura de exemplos como
atuam os que se apropriam do dinheiro público. Eles são claros, objetivos,
articulados, e conhecem bem os meandros desse tipo de negócio.
Nos acostumamos a achar que a oferta de
propinas vem sempre de pessoas ligadas ao Estado. Os empresários seriam na pior
das hipóteses aliciados; quando cediam, era porque não tinham outra alternativa
para fechar o negócio ou, que diabo!, porque ninguém é de ferro. Como resistir
a engordar com valores tão altos a conta bancária?... A reportagem concorreu
para desfazer essa impressão. Mostrou que muitas vezes é das empresas que
partem as propostas indecentes.
E o pior é que elas não surgem de
maneira episódica, por obra de uma “ovelha negra” que se rebela contra as
sagradas leis do capitalismo. Surgem como efeito de um conluio e sistematizam
uma prática. Essa prática, conforme salientou um dos empresários filmados na
reportagem, de tão natural já ilustrava uma “ética”.
A prova da naturalidade da situação é
que todos negociavam muito à vontade, entremeando os percentuais propostos
(dez, quinze, vinte por cento...) com gracejos e cínicas observações
pedagógicas. Um dos negociadores chegou a mostrar ao suposto gestor o que
ensinava aos filhos. O conselho que dava aos seus rebentos era que sempre
protegessem os contratantes, a fim de ser por eles protegidos. Incutia-lhes
como demonstração de lealdade o que não passava de comparsaria.
Essa lição de casa me lembrou o conto
“Teoria de medalhão”, de Machado de Assis, em que um pai instrui o filho sobre
o que fazer para se tornar uma figura pública influente. Um medalhão não é bem
um corrupto, mas realidade e conto têm em comum uma prática educativa que antes
deforma do que constrói. E será possível construir alguma coisa numa sociedade
em que o roubo dos recursos públicos é um ato “absolutamente normal -- segundo
comentou a representante de uma das empresas? Que esperar de um país que
normaliza a fraude? Vá ver, nós é que estamos ensinando errado nas escolas.
Desvendada a trama, as autoridades
prometeram tomar providências, e até se falou na instalação de uma CPI. Não sei
as investigações ocorram mesmo e levaram à punição dos culpados. Dá um calafrio
pensar que: a) esse foi apenas um entre as centenas de hospitais públicos que
há no país; b) as empresas filmadas foram somente quatro entre as dezenas que
prestam serviços ou fornecem produtos a essas instituições; c) nem todo gestor
hospitalar é um repórter disfarçado do “Fantástico”.
Tudo isso dá a entender que são vários
os condutos por onde o dinheiro escoa, relegando ao desamparo milhões de pobres
e miseráveis. O diretor do hospital onde
se fez a reportagem observou com razão que roubar da saúde constitui um dos
piores crimes, pois deixa sem assistência os que não podem pagar médicos e
hospitais. Ou seja: é uma forma indireta de matá-los.
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