terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

A ética no hospital

Há algum tempo o “Fantástico” abordou a tentativa feita por alguns empresários de corromper um gestor hospitalar. A matéria era sobretudo didática, pois mostrava com fartura de exemplos como atuam os que se apropriam do dinheiro público. Eles são claros, objetivos, articulados, e conhecem bem os meandros desse tipo de negócio.  
Nos acostumamos a achar que a oferta de propinas vem sempre de pessoas ligadas ao Estado. Os empresários seriam na pior das hipóteses aliciados; quando cediam, era porque não tinham outra alternativa para fechar o negócio ou, que diabo!, porque ninguém é de ferro. Como resistir a engordar com valores tão altos a conta bancária?... A reportagem concorreu para desfazer essa impressão. Mostrou que muitas vezes é das empresas que partem as propostas indecentes.
E o pior é que elas não surgem de maneira episódica, por obra de uma “ovelha negra” que se rebela contra as sagradas leis do capitalismo. Surgem como efeito de um conluio e sistematizam uma prática. Essa prática, conforme salientou um dos empresários filmados na reportagem, de tão natural já ilustrava uma “ética”.
A prova da naturalidade da situação é que todos negociavam muito à vontade, entremeando os percentuais propostos (dez, quinze, vinte por cento...) com gracejos e cínicas observações pedagógicas. Um dos negociadores chegou a mostrar ao suposto gestor o que ensinava aos filhos. O conselho que dava aos seus rebentos era que sempre protegessem os contratantes, a fim de ser por eles protegidos. Incutia-lhes como demonstração de lealdade o que não passava de comparsaria.
Essa lição de casa me lembrou o conto “Teoria de medalhão”, de Machado de Assis, em que um pai instrui o filho sobre o que fazer para se tornar uma figura pública influente. Um medalhão não é bem um corrupto, mas realidade e conto têm em comum uma prática educativa que antes deforma do que constrói. E será possível construir alguma coisa numa sociedade em que o roubo dos recursos públicos é um ato “absolutamente normal -- segundo comentou a representante de uma das empresas? Que esperar de um país que normaliza a fraude? Vá ver, nós é que estamos ensinando errado nas escolas. 
Desvendada a trama, as autoridades prometeram tomar providências, e até se falou na instalação de uma CPI. Não sei as investigações ocorram mesmo e levaram à punição dos culpados. Dá um calafrio pensar que: a) esse foi apenas um entre as centenas de hospitais públicos que há no país; b) as empresas filmadas foram somente quatro entre as dezenas que prestam serviços ou fornecem produtos a essas instituições; c) nem todo gestor hospitalar é um repórter disfarçado do “Fantástico”.
Tudo isso dá a entender que são vários os condutos por onde o dinheiro escoa, relegando ao desamparo milhões de pobres e miseráveis.  O diretor do hospital onde se fez a reportagem observou com razão que roubar da saúde constitui um dos piores crimes, pois deixa sem assistência os que não podem pagar médicos e hospitais. Ou seja: é uma forma indireta de matá-los.

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