Por dever de ofício, convivo com jovens que devem fazer a delicada
escolha da profissão. Eles estão no limiar do curso superior, têm entre
dezesseis e dezoito anos e alimentam muitas dúvidas sobre a carreira que
pretendem seguir. É fácil ler-lhes no semblante a ansiosa expectativa quanto ao
futuro. Lidar com esse pessoal me comove e estimula, por isso de vez em quando
eu lhes conto a minha história.
A história nada tem de extraordinário mas, num contexto marcado pela absoluta
primazia do financeiro como este em que vivemos, adquiriu uma dimensão
desproporcional ao seu valor. Muitos já
conhecem o fato e me perguntam sobre ele antes de eu me manifestar: como é que,
num mundo como o de hoje, você teve coragem de trocar o curso de Medicina pelo
de Letras? Já estava no quarto ano, faltava pouco para se formar...
Se
eu tivesse feito o percurso inverso, ninguém se espantaria. Teria trocado um
curso menos rentável por outro de melhor remuneração. Ainda que me revelasse,
com o tempo, um médico chinfrim, todos aplaudiriam o gesto. Eu teria agido com “sensatez”,
perseguindo mesmo ilusoriamente o conforto e o sucesso. Mas que se pode
esperar, em termos de ascensão econômica e social, de um curso como Letras?
Alguém me disse na época que era um curso para moças; ainda bem que tive suficiente
confiança em minha masculinidade para não me assustar!
Quando falo sobre este
assunto com a garotada, limito-me a dizer-lhe que siga a vocação. Em meio às
dificuldades e aos desencantos da vida, ela ainda é o referencial mais seguro.
Se era difícil no meu tempo conseguir emprego, imaginem agora, que um mercado extremamente
concorrido exige que cada um dê o máximo de si. Fica mais fácil atender a suas
tirânicas exigências quando a escolha profissional não contraria a propensão
inscrita em nossos gens.
Mudei de curso na década de 1970, quando o
mundo era outro. Reconheço que isso pode ter tornado a minha escolha mais
fácil. Ainda não se falava em globalização, e cada um podia curtir com
espontaneidade a sua aldeia.
Hoje o futuro nos convoca com impaciência,
como se o maior pecado fosse perder tempo. É preciso acordar cedo para os
desafios de uma época de poucos empregos e que mede a realização de cada um
pelo número de bens móveis e imóveis que conseguiu juntar. Desconfia-se de quem
se diz contente com a profissão e não ostenta um grande patrimônio. Ninguém
aceita o indivíduo “apenas” satisfeito.
Não me arrependo da escolha que fiz. Também
não quero ser exemplo, pois teria me custado mais exercer uma profissão para a
qual não era dotado. Só lamento que não ocorra a ninguém que um simples
professor, dizendo a seus alunos estas e tantas outras coisas em sala de aula,
pode estar contente com a vida.
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