Hoje completo 70 anos, mas a culpa não é
minha. Por mim eu teria ficado nos cinquenta, que é o limite entre o vigor e um
presumível início de decrepitude. O tempo deve ter me trazido até aqui para mostrar
o quanto a gente se modifica e permanece o mesmo com o avanço da idade.
Se o menino é pai do homem, como
disse Machado, o velho é um rebento pouco promissor da maturidade. Ele se
enriquece em experiência mas, a partir de certo momento, também em ineficiência.
Detém um saber que não lhe será útil para muita coisa, a não ser para se consolar
do que não pode mais fazer.
Há um ano, eu lamentava comemorar os 69 em tempos de pandemia. Não
imaginava que aos 70 me depararia com uma situação idêntica – ou talvez pior. O
número de mortes já era grande, mas se avolumou a ponto de abarcar amigos e
conhecidos. O que foi feito nesses 365 dias para controlar a infecção? Pela
forma como ela veio se propagando, muito pouco ou quase nada.
No entanto, fiz a minha parte. Fiquei
em casa, usei máscara, lavei as mãos e não me aglomerei. O que não pude foi
impedir que o vírus se multiplicasse enquanto eu envelhecia mais um ano.
Resistimos, ambos – ele como um espectro velado, eu como uma vítima em
potencial. Agora que estou em processo de vacinação (esperando a segunda dose
da Coronavac), torço para me livrar da sua ameaça agressiva e mutante. Mesmo
isso acontecendo, não poderei repor o que o coronavírus me subtraiu de serenidade
e alegria.
Por que falar nele numa data como esta? Porque sem o vírus a comemoração
seria diferente. Eu estaria, como em anos anteriores, confraternizando com as pessoas
da minha afeição. Em prazerosa aglomeração familiar. O vírus nos impõe a distância
e empurra cada um para dentro de si mesmo. Suprime-nos o convívio, que num dia
como hoje é fundamental. Quisera estar ingerindo outro tipo de “dose”, mais
inebriante e festiva do que a que deverá ser aplicada em meu braço. Mas,
pensando bem, no atual momento esse ainda é o melhor presente que posso receber.
Com o passar do tempo, o problema
maior não é ter planos para o futuro. É ter futuro para pôr em prática os
planos que a gente faz. Nestes tempos de pandemia e de querelas políticas que
só retardam a erradicação do vírus, meu projeto mais caro é sobreviver. E poder, com fé, comemorar outros
aniversários.
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