terça-feira, 8 de março de 2022

Meio sorriso

 

Foi num domingo. Andando pela calçadinha da praia, vi duas moças conversando num banco lateral. Ao passar por elas, ouvi uma dizer: “O que não suportei foi aquele meio sorriso.”

Fiquei intrigado com a expressão. “Meio sorriso”. Não um sorriso inteiro, mas a metade, se é que se pode dividir esse enigmático desenho fisionômico em dois; ele não se confunde com o riso, que é explícito e escancarado. Fiquei me perguntando se hão haveria um pleonasmo em se falar em “meio sorriso”. O sorriso por si já não é algo menor?

Algo menor porém mais intenso, é verdade, pelo que há nele de introspectivo e superior. Quem sorri fica a meio caminho entre o riso e a seriedade, o que significa dizer que não se abandona de todo à emoção. “Mantém o controle”, por assim dizer, e desse modo pode se posicionar criticamente sobre o objeto de que (ou para o qual) está sorrindo. Talvez tenha sido isso que o tornou insuportável para a moça.  

Não há como duvidar do que se ri, porém muito se pode especular sobre a causa de um sorriso. Sobretudo quando ele não se completa ou, sob a aparência da incompletude, esconde uma intenção que deixa quem o percebe intrigado.  

A moça parecia mais ressentida do que raivosa. Não tive tempo de ouvir que atitude ela tomou ao se deparar com o semblante (maldoso, irônico, escarninho?) de quem tanto a aborrecera. Talvez não tenha tomado atitude nenhuma e por isso mesmo esteja agora desabafando com a amiga.

Pensei em voltar e passar diante delas para ver se captava o resto da conversa. Não haveria nada de feio nisso. Seria, digamos, uma bisbilhotice superior, determinada pelo que eu considerava um enigma linguístico e existencial (tudo que é linguístico toca a existência). Por motivo bem mais comezinho, muitos se intrometem na vida alheia. E não ganham nada com isso, a não ser o prazer de satisfazer uma curiosidade.

A ideia de voltar não passou de um impulso. Olhei para ver se elas ainda estavam lá; vi que estavam. A que falara no “meio sorriso” explicava (ou tentava explicar) alguma coisa à outra, que se mantinha receptiva e cordial como deve ser uma boa amiga num momento como esse.

Segui meu caminho pensando nas contradições da vida. “Meio” faz pensar em algo que é e não é. Para os latinos, caracterizava uma postura de equilíbrio e conciliação – a chamada “aurea mediocritas”, ou mediocridade de ouro, que se constituía num ideal de felicidade. Na expressão da garota, contudo, esse termo acrescentava a “sorriso” um valor negativo. Perdia o tom pacífico e conciliador, sugerindo uma pontinha de ressentimento ou menosprezo... Coisas da vida – ou da língua.

Por via das dúvidas, vou a partir de agora prestar mais atenção a quem sorri para mim. Desse modo vou saber se o gesto é sincero ou se é a metade falsamente radiosa de um lado escuro, que o outro não ousa mostrar.

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O silêncio do inocente