Foi num domingo. Andando
pela calçadinha da praia, vi duas moças conversando num banco lateral. Ao
passar por elas, ouvi uma dizer: “O que não suportei foi aquele meio sorriso.”
Fiquei intrigado com a
expressão. “Meio sorriso”. Não um sorriso inteiro, mas a metade, se é que se
pode dividir esse enigmático desenho fisionômico em dois; ele não se confunde
com o riso, que é explícito e escancarado. Fiquei me perguntando se hão haveria
um pleonasmo em se falar em “meio sorriso”. O sorriso por si já não é algo
menor?
Algo menor porém mais intenso,
é verdade, pelo que há nele de introspectivo e superior. Quem sorri fica a meio
caminho entre o riso e a seriedade, o que significa dizer que não se abandona
de todo à emoção. “Mantém o controle”, por assim dizer, e desse modo pode se posicionar
criticamente sobre o objeto de que (ou para o qual) está sorrindo. Talvez tenha
sido isso que o tornou insuportável para a moça.
Não há como duvidar do
que se ri, porém muito se pode especular sobre a causa de um sorriso. Sobretudo
quando ele não se completa ou, sob a aparência da incompletude, esconde uma
intenção que deixa quem o percebe intrigado.
A moça parecia mais
ressentida do que raivosa. Não tive tempo de ouvir que atitude ela tomou ao se
deparar com o semblante (maldoso, irônico, escarninho?) de quem tanto a aborrecera.
Talvez não tenha tomado atitude nenhuma e por isso mesmo esteja agora desabafando
com a amiga.
Pensei em voltar e passar
diante delas para ver se captava o resto da conversa. Não haveria nada de feio
nisso. Seria, digamos, uma bisbilhotice superior, determinada pelo que eu considerava
um enigma linguístico e existencial (tudo que é linguístico toca a existência).
Por motivo bem mais comezinho, muitos se intrometem na vida alheia. E não
ganham nada com isso, a não ser o prazer de satisfazer uma curiosidade.
A ideia de voltar não
passou de um impulso. Olhei para ver se elas ainda estavam lá; vi que estavam.
A que falara no “meio sorriso” explicava (ou tentava explicar) alguma coisa à
outra, que se mantinha receptiva e cordial como deve ser uma boa amiga num
momento como esse.
Segui meu caminho
pensando nas contradições da vida. “Meio” faz pensar em algo que é e não é. Para
os latinos, caracterizava uma postura de equilíbrio e conciliação – a chamada “aurea
mediocritas”, ou mediocridade de ouro, que se constituía num ideal de felicidade.
Na expressão da garota, contudo, esse termo acrescentava a “sorriso” um valor negativo.
Perdia o tom pacífico e conciliador, sugerindo uma pontinha de ressentimento ou
menosprezo... Coisas da vida – ou da língua.
Por via das dúvidas, vou a
partir de agora prestar mais atenção a quem sorri para mim. Desse modo vou
saber se o gesto é sincero ou se é a metade falsamente radiosa de um lado escuro,
que o outro não ousa mostrar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário