A Copa que o mundo
vem acompanhando demonstra o fascínio que o futebol exerce na maior parte das
pessoas. Não por acaso, ele é conhecido como o esporte das multidões. A
televisão tem sido pródiga em mostrar a euforia (ou o abatimento) das torcidas
em países de vários continentes. Não há dúvida de que seus habitantes veem os
jogadores como guerreiros a quem se incumbiu a tarefa de representar a pátria.
Concorre
para tal interesse a própria natureza desse esporte. Dizem que o futebol não
tem lógica, mas sempre aparece uma razão para um time ganhar ou perder. Logo,
se existe uma relação de causa e consequência, há lógica. A crônica esportiva
confirma isso. Ela pode enfatizar as qualidades de um time durante a partida,
mas se ele perder logo os comentaristas encontrarão uma justificativa para a
derrota. Em resumo: a lógica do futebol está no gol. Como na vida, o que
importa é o resultado.
Se o
que conta é a meta, o objetivo, o futebol deveria se caracterizar como um esporte
pragmático, no qual a fria tática prevalece sobre o improviso. Mas curiosamente
não é assim. Nesse esporte conta muito o valor individual, que se mede pela
capacidade de o atleta driblar, dar “lençóis”, meter uma “caneta” no adversário. O drible é o show à parte, a negaça que torna
mais atraente a conquista.
Ninguém
encarnou isso melhor do que Garrincha, que fez do drible a sua marca registrada.
Muitos iam aos os estádios só para vê-lo entortar os adversários. Com ele o
futebol se jogava direito por pernas tortas.
Conta-se
que certa vez fintou vários adversários, e ao chegar diante do goleiro recuou
alguns metros. Teve então que refazer os dribles até se deparar de novo com o “guardião
da meta” e novamente recuar. Só na terceira investida consumou o ato,
empurrando a bola para o fundo das redes. Ao final da partida o técnico lhe
perguntou por que ele não tinha feito o gol logo da primeira vez, já que podia ter
sido desarmado e perdido a oportunidade de empatar o jogo. Mané então lhe respondeu
candidamente: “É que o goleiro não queria abrir as pernas.”
Para ele não bastava o resultado, mesmo sendo isso
que decidia a partida. Contava também, ou sobretudo, a forma como se definia o placar.
Ou seja: contava o estilo. Associar a prática à beleza, que se revela por um
estilo, é a principal característica da arte. Garrincha era por excelência um artista
da bola.
Fala-se
que o futebol se tornou “científico”, segue esquemas predeterminados por
técnicos que ditam o movimento dos jogadores. E que nesse contexto um Garrincha
não teria vez. Será isso verdade? Quem acompanhou a atuação de atletas como Vinícius
Jr. ou Richarlison, que faziam embaixadinhas com a cabeça ou envolviam em “lençóis”
precisos os adversários, viram neles uma reedição do espírito do Mané.
A arte
desses dois atletas foi uma vitória de Dioniso sobre o rigor apolíneo inscrito
nas regras de bem atuar. Sem esquecer a
eficiência, eles fizeram da bola um brinquedo que diverte e encanta. Como se
não bastasse, coroavam a feição dionisíaca do seu desempenho com uma saltitante
coreografia, fazendo-se “estrelas dançarinas” na simétrica constelação do futebol.
O fato de o Brasil ter sido desclassificado não invalida o espetáculo que eles
nos propiciaram.
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