quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Conto de Natal

                 Na véspera de Natal, Dª. Teresa desapareceu no shopping. Ela saíra de casa cedo para escapar dos congestionamentos comuns nessa época do ano. Levava uma lista com os inúmeros presentes que pretendia comprar. Estavam na relação os filhos, genros, noras, o porteiro do prédio, as empregadas, as manicures, o professor de ginástica, o terapeuta comportamental, os colegas da repartição e pessoas que a família ignorava mas, de alguma forma, compunham o seu círculo de relações. Ela sempre se sentira no dever de presentear a todos.

            O último contato com a família se dera por volta das 13h30, via celular. Quem atendeu foi Tancredo, o marido. A mulher estava numa das inúmeras filas que teria de enfrentar naquele dia. Quase não falou com ele, tal o burburinho na loja, mas teve tempo para o prevenir de que chegaria tarde, muito tarde (impressão ou não de Tancredo, quando ela disse “muito tarde” havia um cansaço misterioso na sua voz).

            Como Dª Teresa não voltava com o avançar da noite, a família foi ao shopping averiguar. Os vigias não sabiam de nada. Tancredo e os filhos resolveram ligar para os amigos. Uma das amigas vira Dª Teresa, por volta das 16h, mordiscando uma pizza com refrigerante na praça da alimentação. Em volta, ocupando umas três cadeiras, havia inúmeras embalagens de presentes. A amiga pensou em como ela conseguiria transportar tudo aquilo, mas logo deixou de lado a preocupação; Dª Teresa era hábil nesse tipo de tarefa. Ia muito ao shopping, estava acostumada a transportar pacotes. Até circulara o rumor de que ela fazia terapia para se curar da compulsão por fazer compras.

            A família comunicou o desaparecimento à polícia, mas foi inútil; ninguém sabia de pistas que levassem à mulher. A polícia sugeriu que ela podia não ter desaparecido no shopping, mas fora dele. O mais provável, que levava um monte de presentes, era que tivesse sido raptada na saída. Mas ela não chegara a sair. Seu carro continuava no pátio do estacionamento – e o mais intrigante: cheio de embrulhos. Dª Teresa cumprira o seu dever, comprara o que tinha de comprar, depois viera até o automóvel e guardara os presentes. Por que, então, não voltou para casa?

            Desalentados, os familiares não sabiam mais o que fazer. Foi quando alguém teve a ideia de examinar os manequins. A proposta parecia absurda, mas foi aceita por falta de alternativas. Policiais, familiares e amigos iam de vitrine em vitrine olhando os bonecos, nus ou vestidos, que posavam por trás das paredes de vidro.

         De repente Leninha, uma das filhas, deu um berro que reverberou por todo o shopping. “Não é possível! Mamãe!”. Correram todos. E viram! Viram que Dª Teresa tomara o lugar de um manequim masculino vestido de Papai Noel. Dura, imóvel, ninguém sabia se estava viva ou morta. Tinha o olhar parado, perplexo, e na fisionomia uma expressão artificial de riso. A família deu por encerrado o mistério e tratou de levá-la para casa. Dª. Teresa foi carregada, como um presente, sem despregar do rosto o sorriso enigmático.

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O silêncio do inocente