quarta-feira, 23 de julho de 2025

A voz da casa

 

       Ao chegar em casa, ele notou que alguma coisa estava errada. A mulher e um dos filhos, em pé na sala, empunhavam cartazes. O do rapaz dizia: “Agora é tudo ou nada! Aumento na mesada!”. A esposa não fizera por menos: “Basta de ladainha. Homem também cozinha!”. Tudo rimado, para soar mais forte. 

        – Que é que está havendo?! Isso é brincadeira? 

        – Brincadeira coisa nenhuma! Nunca falamos tão sério! – gritou um dos adolescentes, que tinha o rosto pintado de verde e amarelo. 

        Pouco a pouco, ele foi se dando conta do que se passava. Sua família entrara na onda de insatisfação que atingia o país – motivada, em grande parte, pelo tal “politicamente correto”. Eis no que deu ficarem tanto tempo acessando o Facebook, o Twitter, ou vendo televisão. Respirou fundo, imaginando uma saída:

         – Calma, pessoal. Vamos conversar.

         – De conversa estamos cheios! – rebateu a garota, que tingira parte dos cabelos de azul e mandara colocar um piercing na orelha esquerda – para simbolizar as algemas em que se sentia aprisionada. Uma de suas reivindicações era viajar sozinha com o namorado, o que o pai terminantemente proibira.

          – Está bem, vou pensar no assunto. Mas vocês não acham que a gente devia primeiro consultar outros membros da família? Seus avós, por exemplo. Eles têm experiência. 

         – Um plebiscito familiar? – protestou o rapaz. – Nunca! Isso é uma manobra diversionista, um expediente protelatório para enfraquecer nossas reivindicações. O senhor tem que nos responder agora. 

         – Está bem, vamos nos sentar. E podem baixar os cartazes. Sobretudo você, Elvira, que tem câimbra quando fica muito tempo com os braços numa posição só; quem mandou deixar o Pilates?... Quero ouvir um por um.

         Quando o mais velho começou a falar, ouviu-se uma barulheira infernal no quarto do caçula. Correram para ver o que era. Lá se depararam com uma cena inédita naquele cenário até então doméstico e ordeiro: cama virada, roupas pelo chão, sapatos empilhados fora da sapateira, e no centro o menino segurando um cartaz onde se lia: “Fora Barrabás! Castigo nunca mais!”.

           Elvira ficou desesperada ao ver o quarto todo revirado. Quem iria arrumar?! Os mais velhos também não concordavam com aquilo. O pai aproveitou a deixa:

        – Acabou-se! Não vou mais ouvir nem atender ninguém.

         – O senhor não pode fazer isso, pai – implorou a menina. – A gente também não aprova o que ele fez. Ninguém é a favor de quebra-quebra. Quem por aqui patrocinou vandalismo já se deu muito mal...   

        – É verdade, pai. Foi um ato solitário. Zequinha é um vândalo, não faz parte do nosso movimento. Merecia até ser dispersado com gás lacrimogêneo – disse em tom de piada, que geralmente alivia a tensão comum nesse tipo de entrevero. 

        – Gás lacrimogêneo?! Ele vai chorar, sim, mas por outra razão.      

          Dito isso, foi ao quarto pegar o chinelo. Antes de ir se entender com o caçula, fez questão de dizer bem alto para que os outros ouvissem:

         – Por enquanto as manifestações estão suspensas. Até segunda ordem!

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