Em sua última coluna na revista “Veja”, Diogo Mainardi afirmou que Chico Buarque era uma fraude. Fiquei espantado e, ao mesmo tempo, com uma sensação de logro. Desde a adolescência ouço Chico; já cantarolei muito “A banda”, “Carolina”, “Olê, olá”, “Partido alto” e tantos outros sucessos dele.
Também já trabalhei com letras de suas músicas em classe, e o resultado sempre foi bom. Nem de longe me passava pela cabeça que naqueles versos inspirados e tecnicamente perfeitos houvesse alguma intenção de ludíbrio. Agora fiquei sabendo que havia, e devo essa intrigante revelação ao colunista de “Veja”.
“Intrigante” porque Chico sempre foi considerado unanimidade nacional. Dizia-se que ele estendeu um olhar agudo tanto ao subúrbio quanto à metrópole. Rastreou e descreveu o percurso do “malandro”, substituído aos poucos pela picaretagem dos meliantes profissionais, e fez a crônica dos amores e da miséria comum no asfalto. Sua obra demonstra uma rara conciliação entre o lírico e o social.
Era isso o que mais ou menos se falava do compositor, mas agora sabemos que estávamos enganados. Mainardi veio nos tirar do escuro. Até então estávamos como Pedro Pedreiro, esperando inutilmente o trem; ou como Carolina, postada à janela sem ver o tempo nem a banda passar. Agora despertamos. E se antes apenas escutávamos o dono da voz, agora podemos escutar a voz do dono. E a voz do dono, engrossada pela opinião de uma escritora estrangeira (tinha que ser!), não admite outra designação a não ser “uma fraude”.
Pode-se objetar que Diogo não se referiu a todo o Chico, mas apenas ao Chico romancista. Menos mal, mas essa ressalva não desfaz a contundência do julgamento. Ninguém é falsificado pela metade; uma meia falsificação (se é que existe isso) é já uma falsificação inteira. Sabemos que o autor de “Trocando em miúdos” não é um grande ficcionista, mas daí a considerá-lo um embuste vai uma grande distância. Talvez isto se explique pelo ciúme de quem também é um romancista sofrível e não tem para contrabalançar essa carência um talento excepcional em outros domínios -- como tem o Chico na música.
Mas é possível que nas palavras de Mainardi exista um elogio. Não há nada mais glorioso para um artista do que se identificar com o seu país e o seu povo; e quem acompanha os textos do acrimonioso jornalista sabe qual o conceito que ele tem do Brasil e dos que nele moram.
Segundo a visão mainardiana do mundo, nossa arte, nossos hábitos, nossa mentalidade não passam de um grande engodo. É natural, por esse raciocínio, que um artista da dimensão de Chico seja também uma fraude.
Mas eu ainda prefiro um Chico Buarque fraudulento a um Diogo Mainardi legítimo.
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Nossa, eu amo as músicas do Chico também, embora a maioria das pessoas da minha idade não gosta nem de ouvir uma única nota de suas músicas... hauahauhauah
ResponderExcluirVou procurar essa matéria do Diogo para ver o que tanto ele disse, na íntegra.
Será que ele têm argumentos suficientes para me convencer?
Acho improvável... hehehe
Bjooos
AMO O CHICO, PENA QUE OS ALUNOS , ATUALMENTE, NÃO CURTEM ANALISAR SUAS LETRAS.BONS TEMPOS ANTIGOS, QUANDO EU LEVAVA AS MÚSICAS PARA A SALA E A AULA ERA UMA FESTA! BEIJOS, CHICO, GOSTO MUITO DO c, MENINOOOOOOOOOO
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