sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eleições na ponta da língua

Como tratar numa coluna de língua portuguesa o resultado das últimas eleições para o governo do estado? Bem, tudo começou com uma elipse; um dos candidatos se ausentou do debate promovido por uma importante rede local de televisão.
Certamente lhe disseram que certas ausências, por evocar a pessoa sem lhe explicitar a dimensão física, dão mais prestígio do que a simples presença. Faltar é crescer na lembrança, fazer-se presente na imaginação -- e aqui chegamos à metonímia, que é um tropo mediante o qual se designa alguém, ou alguma coisa, pela indicação de elementos capazes de evocá-los. Tudo naquela noite -- a começar do lugar vazio -- faria lembrar o faltoso.
Essa é uma interpretação. A outra é a de que os marqueteiros do candidato o convenceram a não comparecer porque ele já estava praticamente eleito. E aqui chegamos a um aparente paradoxo: como alguém que tinha larga vantagem nas pesquisas perde para o segundo colocado? Uma vez que isso põe em xeque a eficiência dos institutos de pesquisa, propõe-se que daqui em diante eles mudem a metodologia. Em vez de a margem de erro ou acerto ficar em dois pontos percentuais, ela deve saltar para entre 10 e 15! Assim nenhum instituto vai falhar nem os candidatos vão antecipadamente pensar que já venceram.
Outra alternativa é partir para a ironia, convocando o polvo alemão. Como ele acertou todos os resultados da Copa, inclusive a derrota do Brasil, não lhe seria difícil apontar um de seus tentáculos para o futuro eleito -- que de antemão poderia se considerar “escolhido pelo polvo”.
Há quem discorde de que Ricardo Coutinho ultrapassou José Maranhão porque este se ausentara do debate. Vê nessa tese uma hipérbole, um exagero, alegando que em algumas das últimas pesquisas Coutinho já antecipava a reação. Isso pode ter fundamento, mas a ausência do governador foi a justificativa mais comentada. Ele se fez defectivo, como certos verbos que não têm todas as formas e devem ceder a outros seu papel semântico (os mais conhecidos são “adequar”, “precaver-se” e “reaver”). A quem o candidato cedeu o seu papel? Ao maior oponente, que além de atacar sem contestação ainda se beneficiou do argumento da ausência (válido apenas, como ocorreu, quando a falta do interlocutor é voluntária).
Restou ao público amargar a antítese de um combate anunciado e que não se realizou. Isso é péssimo em tempos midiáticos como o nosso. Trocamos tudo por uma boa atração na TV, seja ela um filme, um show ou um capítulo da novela das oito. Melhor ainda quando o drama, em vez de personagens fictícios, é protagonizado por pessoas reais. Isso lhe aumenta a catarse, ou seja, a capacidade de nos aliviar de certas tensões da alma.
Muita gente não desligou a TV naquela noite pelo desapontamento de ter deixado de saber mais sobre a plataforma dos candidatos. Desligou por terem lhe frustrado a expectativa de um programa atraente, marcado pela logomaquia (duelo verbal). Como hoje somos telespectadores antes de sermos eleitores, houve quem não perdoasse o ludíbrio e procurasse traduzir isso no voto. Mas vem aí o segundo turno, digo, o segundo round (para encerrar com uma metáfora). E desta vez ninguém vai deixar o ringue vazio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O poder da frase