domingo, 31 de agosto de 2014

Vício eletrônico

   O uso do celular, do iPhone, do iPad ou artefatos semelhantes virou uma obsessão. Hoje praticamente todos se grudam nesses aparelhinhos, mas o hábito (ou vício) é bem mais comum entre os adolescentes. Pais, mães, professores sabem disso. Nas minhas aulas exijo que eles sejam desligados, mas vez por outra surpreendo um aluno observando o visor ou tentando passar mensagens. Parece difícil permanecer algumas horas sem fazer isso.  
       Entende-se o fascínio que essas maquininhas provocam. Elas exercem uma atração irresistível devido não só aos múltiplos recursos que possuem, como também ao desenho funcional e anatômico. Sopesá-las é como apertar uma varinha mágica. A um mero toque é possível se comunicar com amigos e familiares – e não apenas se comunicar por escrito, como nas velhas cartas, mas também ver a imagem das pessoas. É possível ainda jogar e saber as novidades. Neste mundo globalizado há fartura de estímulos, que nos convocam ininterruptamente; os iPhones e similares são os condutos pelos quais toda essa agitação chega até nós.
      O apelo é tão grande que não nos desgrudamos deles nem quando estamos com outras pessoas. O que mais se vê hoje em bares ou restaurantes é cada um fixado em seu aparelho. Acompanhar o que ele mostra interessa mais do que ver ou ouvir os que estão ao nosso redor. Em razão disso morre a conversa, acaba o contato interpessoal. E ninguém se ressente nem protesta, pois todos fazem a mesma coisa.  
      Essa indiferença pelos interlocutores físicos, como se sabe, traz um grande prejuízo à vida social. Psicólogos dizem que ela tende a afastar os indivíduos uns dos outros. Mas esse não me parece o efeito mais grave do uso de tais aparelhos. O mais preocupante é que eles acabam afastando as pessoas de si mesmas.
       Precisamos de solidão para refletir sobre nós e o que nos cerca. A solidão torna possível a arte, a filosofia, a religião e as intuições que levam às descobertas científicas. Nem todos têm algo de novo a revelar ao mundo, é certo, mas o ser humano necessita de concentração para alimentar o crescimento interior. Precisa de momentos em que nada acontece, mas em silêncio o inconsciente trabalha. É deles que vêm novas percepções sobre o que somos e novas alternativas para o que queremos ou podemos ser.
      Como obter esses instantes de germinação interior se estamos o tempo todo ocupados em interagir com dispositivos eletrônicos? Eles são hoje uma alternativa ao tédio, ao silêncio, à falta do que fazer. Mantêm nossa atenção continuamente ocupada, o mais das vezes com coisas repetitivas e irrelevantes que nos prendem no mesmo círculo de ideias. De tão absorventes não dão espaço a outras fontes de estímulo, como a leitura.
       É triste imaginar que esses jovens, ao se deitar à noite, não têm como se entregar à meditação e ao devaneio. Em vez de começar ou continuar a ler um livro, fixam-se nos mesmos conteúdos que os torpedearam durante todo o dia. E na manhã seguinte a primeira coisa que fazem, como os fumantes que se apressam em pegar o primeiro cigarro, é ligar os aparelhos para ver se há novas (ou velhas!) mensagens.

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O silêncio do inocente