domingo, 15 de novembro de 2015

O triunfo da covardia

Três crimes contra mulheres chocaram recentemente o país. No mais recente deles, ocorrido em São Paulo, um rapaz estrangulou a ex-namorada. Foi a velha história: a moça não queria mais nada com ele, que preferiu matá-la a ser rejeitado. O assassino tinha já um histórico de atitudes violentas. Era um truculento que talvez só procurasse um pretexto para matar.
É irônico que a notícia dessas mortes tenha aparecido pouco depois do Enem, cujo tema de redação foi, como se sabe, a persistência da violência contra as mulheres. Muitos o criticaram alegando que ele fazia uma apologia do feminismo; era um sinal da excessiva politização do exame, que em uma de suas questões trazia conhecida passagem de Simone de Beauvoir segundo a qual “não se nasce mulher, torna-se mulher”.
Esses crimes vieram mostrar que o tema era não apenas pertinente como também necessário. Apesar de avanços como a Lei Maria da Penha, continua-se matando mulheres. Há outros motivos, claro, porém o mais comum deles é a dificuldade que alguns homens têm de aceitar que elas decidam o que querem fazer e com quem querem ficar. Isso parece ferir o orgulho do macho. Tal como seus ascendentes da horda primitiva, ele busca afirmar sua vontade mesmo ao custo da vida do outro.
Houve um tempo em que os amantes diziam matar por amor, e parecia haver nesse gesto um halo de trágica poesia. Hoje se mata por mau humor, intolerância, meio de afirmação. Os crimes proliferam, entre outras razões, porque os criminosos costumam ficar impunes. Como diz uma das estatísticas que servem de suporte ao tema da redação, dos 332.216 processos que envolvem a Lei Maria da Penha apenas 33,4% foram julgados. Isso que dizer que cerca dos dois terços dos assassinos estão em liberdade. A ausência de justiça, que é particularmente dura para as famílias das vítimas, serve de mau exemplo e encoraja a reincidência. 
De que sofre o macho moderno, que pelo seu primitivismo é na verdade muito antigo? Seus males são a insegurança e o ressentimento. Ele confunde brios com orgulho ferido, fidelidade com submissão. Quer obter afeto sem nada fazer para merecê-lo. Escolhe o caminho da força quando o essencial é a conquista, e tem medo das mulheres porque sabe que lhe faltam méritos para fazer jus a elas.   
Ninguém aceita o abandono, mas há formas menos radicais e mais civilizadas de enfrentá-lo. Sair matando quem nos deixa, além de inaugurar um caminho sem volta, impede que venhamos a aprender mais sobre nós mesmos. Aprender, sim, pois muitas vezes o “fora” é merecido e concorre para melhorar quem o levou. Ninguém cresce interiormente sem perdas e fracassos.
           Mas ao machão isso não interessa. Nele a dimensão interior é sufocada por uma ânsia de domínio que ignora a vontade (e a verdade) da parceira. Qualquer manifestação dessa vontade é um desafio à sua prepotência e pode conduzir a um tresloucado gesto final. A supressão do outro é o grande triunfo da sua covardia.

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