terça-feira, 30 de agosto de 2016

Carta a Berta (6)

Querida Berta:

       O julgamento do processo de impeachment acirrou os ânimos aqui em casa. Celeste, como você sabe, foi “militante” e não consegue apagar do coração essa marca. Passa o tempo golpeando os meus ouvidos com a história de que “é golpe, é golpe” (também, é só o que eles sabem dizer). Para acalmá-la, admiti que Temer não foi lá muito decente e que o que era de Eduardo Cunha estava guardado... Ela gostou do vaticínio. Minhas ponderações geraram um armistício entre nós, mas não a ponto de fazê-la desistir da greve de sexo (que já entrou no sexto mês, para sossego de “Bolsonaro”, que dorme embaixo da nossa cama).
A despeito da discordância política, Celeste disse que não se separava de mim. Ela acredita em outra vida e acha que viver comigo é uma forma de penitência para ganhar o céu. Ponderei que, se era assim, ela devia me agradecer... Por pouco não começávamos uma discussão doméstico-metafísica, que só não existiu porque estávamos interessados no julgamento transmitido pela TV.
       O julgamento era repetitivo e sobretudo previsível, mas vez por outra alguma coisa surpreendia. Celeste uivou (esse é o termo!) de alegria quando viu Chico Buarque no auditório, sentado ao lado de Lula. Sem querer, começou a cantarolar “A banda...” (ocorreu-me “Apesar de você”, mas não me atrevi a comentar isso com Celeste; ela não ia suportar a ironia...). Por falar em ironia, pensei na do destino; em outros tempos, Chico talvez convidasse Lula para jogar uma pelada no seu campo de futebol, e Lula, em retribuição, o chamaria para um churrasco no sitio de Atibaia (regado, quem sabe, a um bom chopp da Brahma). Mas os tempos mudaram...
Enquanto não sai o resultado do julgamento, o presidente interino não sabe se vai para a China (embora muitos brasileiros, interiormente, já o tenham mandado para lá). Dizem que, no Oriente, seu propósito oculto é meditar para ver se consegue uma “iluminação” e retira o país do buraco recessivo em que se meteu. Vai ser difícil, a julgar pelo número cada vez maior de desempregados (nenhum deles por vontade ou convicção). Temer precisa de uma forte base parlamentar e para isso está disposto a tudo – até a equipar o Parlamento com banheiros ultramodernos para atender as necessidades dos “fisiológicos”, que lá são maioria. Quem sabe se com isso, pum!, não resolverá parte dos seus problemas?
Fico por aqui, pois a ansiedade com o resultado do julgamento não me deixa pensar direito. Além do mais, Celeste resolveu repassar todo o repertório de Chico Buarque, e a sua voz cantarolante está me tirando a concentração.

Beijos desimpichados do seu 
Nicanor. 

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O silêncio do inocente