Li há algum tempo uma pesquisa sobre qual seria a palavra mais bonita da língua portuguesa. Muitos levaram em
conta apenas o conteúdo e responderam “amor”, “ética”, “democracia”, “credibilidade”
e semelhantes. Essas são palavras nobres, não há dúvida, pois veiculam elevados
conceitos ou sentimentos. Mas os responsáveis pela pesquisa estavam mais interessados
na forma. Queriam saber das palavras como organismos sonoros ou mesmo visuais. Palavras
que tinham uma beleza em si.
É claro que não se pode abstrair a forma
do conteúdo, pois significante e significado tendem a constituir uma unidade. São
como cara e coroa. Quando ouvimos uma palavra, automaticamente a vinculamos ao
que ela significa. Mas com um pouco de imaginação é possível dissociar esses
níveis; fazendo isso, captamos a beleza que elas têm. “Amor”, “ética”, “democracia”,
“credibilidade”, convenhamos, são palavras pouco expressivas. Tanto é assim que
não as “percebemos”; vamos direto ao que elas significam e nos damos por
satisfeitos.
Mas duvido que você vá direto ao sentido
de “crisálida”, “magnólia”, “puerpério”, “sobrancelha” (a preferida de
Veríssimo) e outras que retêm a nossa atenção pela densidade sonora. Isso independe do significado. “Palustre”,
por exemplo, quer dizer “pantanoso”, mas perde o que pode respingar nela de pútrido
neste verso de Jorge de Lima: “A garupa da vaca era palustre e bela” (um verso
cuja harmonia fônica encantava o meu amigo Antonio Carlos Villaça, de quem o
ouvi pela primeira vez).
A pesquisa de que falei queria palavras
bonitas e, com isso, testava a sensibilidade poética dos leitores. A poesia é
por excelência o terreno onde impera o significante, a forma. Isso não quer
dizer que se pode escrever qualquer coisa desde que soe bem. “Qualquer coisa”
nunca soa bem, pois um mínimo de nexo é desejável. No entanto mesmo desse nexo
estamos dispostos a abdicar desde que a mensagem se sustente como forma. “Rosa,
sublime contradição. Volúpia de não ser o sono de ninguém debaixo de tantas
pálpebras” – esses versos de Rimbaud, que cito de cor, não querem “dizer nada”.
Mas como são bonitos, como impressionam poeticamente! E por quê? Porque visualizamos
as pálpebras como pétalas (metáfora) e, com isso, aceitamos o sublime
paradoxo apontado no início.
Augusto dos Anjos é um bom exemplo de
que, na poesia, a forma conta mais do que o conteúdo. Muitos dos que o admiram não
compreendem seus poemas, mas se impressionam com a melodia áspera de versos
como estes: “Produndissimamente hipocondríaco/
Este ambiente me causa repugnância.../ Sobe-me à boca uma ânsia análoga à
ânsia/ que se escapa da boca de um cardíaco.” Parece que quanto menos o “entendem”,
mais o amam.
Considerar as palavras por si (escutando-as ou "vendo-as") e procurar atribuir-lhes os sentidos que parecem adequados é um
bom exercício para as aulas de criação literária. Os alunos a princípio acham estranho esse processo
de desautomatização, mas acabam gostando da brincadeira. Afinal, não deixa de
ser engraçado descobrir que “jiló” deveria significar “um tipo de lagarta”;
“boiola”, um molusco encontrado em água doce; e “erisipela”, uma exótica flor
do Oriente.
E agora, que tal aderir à pesquisa sobre
a palavra mais bonita da nossa língua? Pensei em “sussurro”, “beneplácito”, “obnubilado”,
mas vou ficar com “escafandro”. Não gostaram? Gosto não se diz, curte-se.
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