sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Quadras


                   1
Tudo tem o seu contrário
(infeliz é quem não sabe):
cada dor, sua alegria; 
cada instante, a eternidade.

                   2
Uma lição para a vida
que o São-João sempre me passa:
quem hoje acontece e “bomba”
amanhã vira fumaça...

                  3
Tem gente que se acha o tal
pelo que diz conhecer.
Sabe tudo sobre a vida,
porém não sabe viver.

                 4
Essas meninas de hoje
como evoluíram, vixe!
Antes liam “Sétimo céu”,  
agora querem ler Nietzsche!

                 5  
O paradoxo do tempo                            
revela-se bem no espelho:
o  ano que chega é novo,
quem nele se mira é velho.

                 6
Quanto mais eu excogito,
menos entendo esse povo.
Só vai à missa aos domingos
pra poder pecar de novo!...

                 7
Há quem por inépcia, ou medo,  
o trem da vida perdeu.
Encontra-se neste mundo, 
mas ainda não nasceu.

                  8
 A morte é grave e solene 
em seu fundo desatino,
mas se morre um humorista 
ri-se de nós o destino...

                  9
Todo machão que se preza  
em bom garanhão se arvora.  
Vive à cata de uma brecha
pra mostrar que não é brocha. 

                          10
          Pelas notas que se calam
          sepultando a melodia,
          faz-se mais triste o silêncio 
          quando um cantor silencia.

                 11
Por mais que eu mexa e remexa,
não me livro deste fado; 
tenho feito tantas quadras,
que já me sinto quadrado.

                12
Nesta noite de São-João
eu só peço ao santo a graça
de me livrar de barulho,
arrasta-pé e fumaça...

                 13
Do que aprendi com os outros,
a maior parte me escapa.  
Já nas coisas que ignoro   
me sinto um autodidata!

                 14
Foi-se o tempo do namoro,
do sonho, do romantismo,
mas essa realidade
         fez o nosso amor mais vivo!

                15
“Vasto mundo, e eu tão pequeno!”
-- digo isso alto e bom som.
Para não tomar veneno,
vou tratar de ler Drummond.
           
                          16
         Para ter junto quem foi
         não preciso ouvir a voz; 
basta evocar a lembrança:
não morre quem vive em nós.

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O silêncio do inocente