Dizem que a ficção antecipa a realidade,
e nada melhor para confirmar isso do que a situação que estamos enfrentando com
essa ameaça do coronavírus. As ruas vazias, como se vê em São Paulo e em outras
grandes metrópoles mundiais, parecem o cenário de um filme de terror. A
diferença é que nos filmes a gente visualiza o inimigo, enquanto que agora ele
é microscópico e praticamente invisível. Essa invisibilidade reduz as chances de
derrotá-lo, pois dá a muitos a impressão de que ele não existe. Não falta quem
considere os alertas das autoridades médicas um exagero a que a mídia,
interessada em aumentar a audiência, dá imensa repercussão.
O brasileiro gosta de assumir esse tipo
de comportamento. Prefere muitas vezes negar o perigo a enfrentá-lo, pois o
enfrentamento exige esforço e sobretudo renúncia a certos prazeres. Um deles é ir
à praia, onde o aglomerado de banhistas constitui um ambiente propício à
contaminação de vírus, bactérias e outros micro-organismos que podem ameaçar-lhe
a vida.
Em outro aspecto a ameaça da Covid-19
lembra uma obra de ficção — o da expectativa quanto ao final. Espera-se que ele
seja feliz, claro. O problema é quanto de insanidade teremos que repelir, e
quanto de sofrimento suportar, até que o pesadelo acabe.
O vírus vem abalando a economia mundial e
ameaça levar os países à recessão. Isso dá medo, pois historicamente as guerras
sucedem períodos de grande crise econômica. O ser humano convive mais
facilmente com o vazio do sentido do que com o do bolso. Tendo o que comer, ele
encontra energia para especular sobre o enigma da existência. De barriga vazia,
não há como direcionar o intelecto a elucubrações transcendentes. O imperativo
é matar a fome, que no capitalismo se multiplica em outros apetites. Já se vê
nos supermercados a ânsia em fazer provisões e garantir o suporte material
básico para a sobrevivência.
Somos egoístas, indiferentes ao próximo,
ligados primeiro em nosso bem-estar – mas também somos aferrados ao instintual
impulso de sobreviver.Tal impulso fica seriamente ameaçado ante a perspectiva
de uma guerra de grandes proporções. Essa ideia paradoxalmente (ou nem tanto) me
faz otimista. A possibilidade de uma hecatombe universal alerta-nos para o
imperativo de preservar a vida na Terra. E não será um vírus, por mais
contagioso e “coroado”, que terá a força de mudar isso. Resistiremos, mas para que
muitos não caiam pelo caminho é preciso que sejamos solidários. No atual momento,
ajudar os outros é ajudar a nós mesmos.
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