Milton enverga hoje o Fardão e certamente
fará isso com um garbo em nada condizente com um dos sentidos que esse verbo
tem. Pode-se pensar em tudo, menos em vê-lo encurvado sob o peso da glória
acadêmica. Altivo, fez por merecê-la.
Somos amigos de longa data, pois começamos
juntos em cursinhos pré-vestibulares. Ele por sinal me sucedeu no antigo Curso 2001,
quando em 1978 ingressei na Universidade. Pouco depois Milton faria o mesmo, trazendo
para o curso de Letras um vasto cabedal de conhecimentos e de habilidades como
professor. Era sobretudo um didata, sem que isso implicasse redução da competência
como pesquisador e intérprete literário. A sala de aula era o seu laboratório e
o seu palco. Não admira, pois, que fizesse (e continue fazendo) tanto sucesso
entre os alunos.
Num tempo em que a moda era introduzir nos
cursos de Letras correntes importadas (sobretudo da França), ele se voltou para
os estudos clássicos. Grande conhecedor da mitologia, procurava resgatar a
herança dos gregos e sobretudo dos latinos, bases do humanismo que ainda hoje
inspira as escolhas éticas do ser humano. Empenhou-se em criar uma área voltada
para esses estudos, que foram se estendendo da graduação à pós-graduação.
Ultimamente tem publicado muito nas
redes sociais, interpretando obras literárias (como “Os miseráveis”), referindo
passagens autobiográficas e falando das suas convicções políticas. É arguta e
sensível, por exemplo, a leitura que ele fez dos tipos humanos que povoam o
universo de Vitor Hugo. Nas redes ele também enfoca a sua origem humilde e o
esforço dos pais para fazer os filhos terem acesso à escola. O empenho, pelo
que se percebe hoje, foi coroado de êxito.
Quem priva da sua amizade conhece-lhe o
bom humor e a verve, por vezes, “docemente pornográfica”. Dependendo do alvo,
essa doçura pode se transformar em acidez, mas nada que agrida ou fira ninguém.
Milton é sobretudo da conversa, dom que exercita semanalmente, por exemplo, em colóquios
matutinos na Livraria do Luiz. Há algum tempo passou a usar chapéu, o que concorreria
para lhe dar um ar de sapiente maturidade não fosse ele avesso a qualquer tipo de
ostentação – mesmo a que deriva de uma conquista nobre como a do saber. Um
saber do qual não estão ausentes as inquietações metafísicas. Percebe-se em seus
últimos textos uma grande preocupação com a espiritualidade, associada à nostalgia
ante a contingência de envelhecer.
Diante disso, deve de algum modo ser-lhe
gratificante a perspectiva de se tornar imortal. O que vejo nele de definitivo,
capaz de resistir à sucessão do tempo, é a seriedade intelectual, o empenho
acadêmico, a busca por conciliar a modernidade com a imorredoura lição da
cultura greco-latina – tudo isso traduzido em textos que primam pela elegância e
o rigor vernáculo. Para nosso recreio, ainda entremeia essa vertente “séria”
com epigramas irônicos e mordazes, que retomam a tradição de alguns de seus mestres
latinos. Parabenizo-o pela conquista de hoje e desejo que, na APL, ele dê sequência
ao trabalho que nos acostumamos a apreciar.
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