sexta-feira, 13 de março de 2020

Milton na Academia


Milton enverga hoje o Fardão e certamente fará isso com um garbo em nada condizente com um dos sentidos que esse verbo tem. Pode-se pensar em tudo, menos em vê-lo encurvado sob o peso da glória acadêmica. Altivo, fez por merecê-la.
Somos amigos de longa data, pois começamos juntos em cursinhos pré-vestibulares. Ele por sinal me sucedeu no antigo Curso 2001, quando em 1978 ingressei na Universidade. Pouco depois Milton faria o mesmo, trazendo para o curso de Letras um vasto cabedal de conhecimentos e de habilidades como professor. Era sobretudo um didata, sem que isso implicasse redução da competência como pesquisador e intérprete literário. A sala de aula era o seu laboratório e o seu palco. Não admira, pois, que fizesse (e continue fazendo) tanto sucesso entre os alunos.     
Num tempo em que a moda era introduzir nos cursos de Letras correntes importadas (sobretudo da França), ele se voltou para os estudos clássicos. Grande conhecedor da mitologia, procurava resgatar a herança dos gregos e sobretudo dos latinos, bases do humanismo que ainda hoje inspira as escolhas éticas do ser humano. Empenhou-se em criar uma área voltada para esses estudos, que foram se estendendo da graduação à pós-graduação.
Ultimamente tem publicado muito nas redes sociais, interpretando obras literárias (como “Os miseráveis”), referindo passagens autobiográficas e falando das suas convicções políticas. É arguta e sensível, por exemplo, a leitura que ele fez dos tipos humanos que povoam o universo de Vitor Hugo. Nas redes ele também enfoca a sua origem humilde e o esforço dos pais para fazer os filhos terem acesso à escola. O empenho, pelo que se percebe hoje, foi coroado de êxito.
Quem priva da sua amizade conhece-lhe o bom humor e a verve, por vezes, “docemente pornográfica”. Dependendo do alvo, essa doçura pode se transformar em acidez, mas nada que agrida ou fira ninguém. Milton é sobretudo da conversa, dom que exercita semanalmente, por exemplo, em colóquios matutinos na Livraria do Luiz. Há algum tempo passou a usar chapéu, o que concorreria para lhe dar um ar de sapiente maturidade não fosse ele avesso a qualquer tipo de ostentação – mesmo a que deriva de uma conquista nobre como a do saber. Um saber do qual não estão ausentes as inquietações metafísicas. Percebe-se em seus últimos textos uma grande preocupação com a espiritualidade, associada à nostalgia ante a contingência de envelhecer.
Diante disso, deve de algum modo ser-lhe gratificante a perspectiva de se tornar imortal. O que vejo nele de definitivo, capaz de resistir à sucessão do tempo, é a seriedade intelectual, o empenho acadêmico, a busca por conciliar a modernidade com a imorredoura lição da cultura greco-latina – tudo isso traduzido em textos que primam pela elegância e o rigor vernáculo. Para nosso recreio, ainda entremeia essa vertente “séria” com epigramas irônicos e mordazes, que retomam a tradição de alguns de seus mestres latinos. Parabenizo-o pela conquista de hoje e desejo que, na APL, ele dê sequência ao trabalho que nos acostumamos a apreciar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O poder da frase