terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Demissão exemplar

 

            Donaldo Trump apresentou durante vários anos o programa “O aprendiz” na NBC americana. Nele o ex-presidente avaliava candidatos que pretendiam vencer no mundo corporativo, medindo-lhes atributos como ousadia, planejamento, espírito empreendedor. Caso o candidato se mostrasse inapto em um desses quesitos, receberia do apresentador uma sentença que acabou virando um bordão: “Você está demitido!”.

        Há alguns dias a América demitiu Trump. O povo americano derrotou-o em eleições limpas e, tudo indica, pode impedi-lo de se candidatar em próximos pleitos. O que deu errado na estratégia do guru empresarial que, na gerência do governo americano, não foi capaz de revelar alguns dos atributos que costumava cobrar de outras pessoas?

        Li que a maior influência na formação do ex-presidente veio do seu pai. O velho detestava perder e inculcava esse temor nos filhos. Queria que cada um deles fosse um “matador” – metáfora que sugere a disposição feroz e inclemente de vencer mesmo ao custo de destruir os adversários.

         A lição paterna frutificou no menino Trump, que passou a cultivar a obsessão do triunfo a qualquer preço e custo. Essa mentalidade até pode funcionar no mundo corporativo, onde eventuais rasteiras nos adversários ficam circunscritas aos limites das empresas. Mas é extremamente arriscada no universo político, que exige de seus atores um amplo compromisso com a coletividade. Para medir a prática desse compromisso existe a imprensa, que tende a esquadrinhar com um faro de pitbull faminto o comportamento dos eleitos.

        A derrota de Trump não deixa de representar uma lição. Mostra que a luta pelo poder não é um vale-tudo no qual a mentira, o cinismo e a arrogância vigoram impunemente. O presidente derrotado sustentou até onde pôde a mentira de que houvera fraude nas apurações. Ou melhor, até onde ficou claro o objetivo dessa inverdade: incutir nos aliados uma indignação que os levasse a um protesto radical, como foi a invasão do Capitólio. Cego para permanecer no poder, Trump não percebeu o risco e a gravidade de tal sublevação, da qual resultaram tiros, depredações e mortes.

         Fala-se agora que, voltando aos negócios, ele deve investir num canal de TV. Ou comandar uma nova versão de “O aprendiz”, desta vez acoplando o programa ao seu propósito de voltar à Casa Branca em 2024. Essa possibilidade não deixa de ser irônica. Com que credibilidade ele vai dar conselhos às pessoas sobre como serem profissionais vitoriosos? Isso implicaria preparar também para a derrota, o que o ex-presidente mostrou que não sabe fazer. Ele perdeu feio e mal, possivelmente sepultando uma carreira que poderia ter continuidade caso o fracasso fosse encarado como um acidente de percurso. A empáfia e a cega obstinação pela vitória não o permitiram enxergar isso.

          O ex-presidente se mostrou pouco resiliente  (para citar um conceito caro aos gurus da autoajuda) e destituído de visão estratégica. Além disso, por arrogância e arrivismo, não hesitou em atropelar princípios éticos e valores tradicionalmente caros ao povo americano – como a democracia. Essa mistura de ambição e desrespeito acabou transformando-o num “matador”, sim, mas de si mesmo.

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