No
laboratório, para fazer exame de sangue. Com a idade esse procedimento se torna
rotineiro, mas ganha ares de coisa muito séria em tempos de pandemia. A gente
entra na sala e se depara com pessoas mascaradas e que nos olham com cera desconfiança.
O medo se justifica, pois qualquer um pode ser portador do vírus.
Entro
e permaneço em pé, embora haja cadeiras vazias. Vazias mas excessivamente contíguas,
o que contraria o propalado distanciamento social. Enquanto espero a minha vez,
estendo o olhar em volta. A maioria dos clientes é de meia idade. Quando se chega
a esse estágio da vida é preciso monitorar como andam os triglicerídeos, a ureia,
o colesterol e outras substâncias cujo aumento ou diminuição indicam se a nossa
saúde está em risco. Aos homens interessa sobretudo o PSA, que parece sigla de
partido político mas é na verdade um índice que sinaliza o temido câncer de
próstata.
Não
é agradável estar naquela sala, enfrentar burocracia e ainda ser espetado por
uma agulha – mas graças a isso hoje vivemos mais. Isso não significa viver bem,
é claro, mas a correta indicação do que em nosso organismo falta, ou sobra, concorre
para que vivamos um pouco melhor. Se não existe elixir da juventude, que pelo
menos se retire o lixo orgânico que pode antecipar a nossa morte.
A
atendente me chama, faz-me sentar diante dela e pede as requisições (o médico passou
várias, acho que percebeu algum desequilíbrio no meu estado geral) e a carteira
do plano de saúde. É uma mulher bonita, ainda nova, diante de quem respondo com
certa vergonha às perguntas sobre os medicamentos que tomo e a dieta que fiz na
noite anterior. Confirmo o jejum de doze horas. Ela retribui com um sorriso de
aprovação, como a professora que parabeniza o aluno por ter feito o dever de
casa.
Tudo
certo com a burocracia e com as minhas condições para o exame. Enquanto aguardo
o momento da coleta, não consigo evitar algumas desagradáveis cogitações. Estarão
as minhas taxas dentro da normalidade? E se uma delas, ou mais de uma, acusar
um excesso condenável e ameaçador? De repente me bate o remorso por nem sempre
ficar atento ao que recomendam os médicos. Não é raro eu me exceder em bolos ou
biscoitos, por exemplo. E raras vezes tenho disposição para caminhar os 30 ou
40 minutos que os cardiologistas prescrevem para ajudar na queima do
colesterol. Talvez o resultado do exame revele a imprudência de tais descasos.
Uma
senhora de branco, papeleta na mão, interrompe esses pensamentos negativos
chamando o meu nome. Faz-me sentar numa
cadeira enorme e me pede que feche a mão esquerda. No limite entre o braço e o
antebraço vejo saltar a pequena veia, que a mulher apalpa com um carinho técnico,
medindo se pode enfiar ali a agulha. Pouco depois vejo o líquido vermelho
encher uma, duas, três seringas. A cor é vívida e, pela aparência, não sugere
que haja alguma coisa errada – mas que sei eu dos mistérios do nosso organismo?
O que me parece sadio no líquido escarlate pode disfarçar o excesso de ácidos
graxos, albumina ou mau colesterol (sim, também nesse domínio vivenciamos o
combate entre o bem e o mal).
Na
saída, vejo que tem mais gente na sala de espera. Tento atravessá-la rápido, com
receio de me contaminar. Noto que em uma das cadeiras está sentado um velho
conhecido que, segundo me disseram, passa por um problema grave de saúde. Faço-lhe
um aceno, ele me cumprimenta sem entusiasmo e logo vira o rosto. Tem um ar
cansado, talvez pela frequência com que tem vindo ali.
Entro
no carro com o sentimento de haver cumprido uma obrigação. Ou feito o dever de
caso. Agora é esperar, apreensivo, o resultado. Seja qual for ele, será menos
ruim do que ser surpreendido por um mal irreversível que um exame de rotina
poderia evitar. Para isso vale a pena dar o sangue.
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