Os proparoxítonos são nobres. Os paroxítonos, triviais (correspondem à maior parte do léxico). O que dizer dos oxítonos? Com a tônica na última sílaba, eles têm um quê de retumbante e definitivo. Só se dão por inteiro. Nada os pode mutilar, sob pena de lhes destruir a alma, o icto, a sílaba tônica.
Talvez por isso eu tenha por eles um “xodó”.
Um inexplicável “lundum”. Uma admiração sem “rapapés”. Sou Chico, mas gostava
de ouvir um amigo que me chamava de “Chicó”. O esticamento e a abertura da
sílaba final faziam a palavra soar como um dó de peito. Era difícil resistir ao
apelo de quem me chamava assim.
Oxítonos são os infinitivos dos verbos, e
o povo tende a suprimir o “r” posposto à vogal que indica a conjugação. Prefere
dizer “cantá”, “bebê”, “parti”, desfazendo a vibração presente na consoante. Como
se quisesse sentir a nua tonicidade das sílabas finais.
Os oxítonos são fáceis de dizer. Por isso
as crianças a eles se afeiçoam, nomeando em balbucios as figuras a que se
apegam primeiro: “papá”, “mamã”, “vovô”, “vovó”. Daí evoluem para os vocábulos
que resumem a sua incipiente experiência do mundo: “pipi”, “bumbum”, “dodói”. Parece
haver um casamento entre os oxítonos e os chamados hipocorísticos, que traduzem
afetividade.
Mas nem tudo neles é doçura. Comumente se
traduz em oxítonos o preconceito com que a sociedade julga os diferentes. Galego
é “sarará”. Amputado é “cotó”. Gente muito feia é “papangu”. Cavalo inútil ou
manhoso é “pangaré”. Mulher que passa tempo demais sem casar fica no “caritó”.
Os oxítonos se prestam bem à expressão do
exagero. Uma coisa é estar saturado, outra é ficar “pelo gogó”. Fazer escândalo
impressiona menos do que “dar um piti”. A ideia de que algo mudou radicalmente parece
ter mais força quando se diz que houve um “revestrés”. Quem muito se entristece
fica “jururu”.
São oxítonas várias palavras que se
abreviam segundo a lei do menor esforço, como “pornô”, “retrô”, “chatô”. Com
isso elas perdem parte do significante, mas não perdem o impacto. Drummond numa
crônica faz uma personagem chamar poluição de “polu” – uma maneira de ela demonstrar
intimidade com o tema. Intimidade e compromisso. Quem diz “polu” não sai por aí
degradando o meio ambiente.
No domínio
das crenças populares, os oxítonos também impressionam. Rogar uma praga é menos
ameaçador de que fazer um “catimbó” (quem quiser que experimente). Entre os
cultos animistas, nenhum parece tão ameaçador quanto o “vodu”. Divindade
africana que se preza é “orixá”.
Os oxítonos são bons para traduzir repetitividade.
Um som que parece interminável é um “baticum”. De gente cheia de lamúrias ninguém
suporta o “nhenhenhém”. Estilo por demais enfeitado é “rococó”. E quando a
confusão não termina? Vira um “rififi”.
Esse termo apareceu numa manchete que
nunca esqueci (estampada na extinta revista Manchete). Tinham brigado Ângela Ro
Ro e Zizi Possi. O romancista Carlos Heitor Cony, que era chefe de redação ou
coisa parecida, não hesitou ao dar título à matéria: “Rififi da Zizi com a Ro Ro”!
Uma sequência de oxítonos que sublinhava o escarcéu provocado pelas duas.
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