domingo, 4 de julho de 2021

Oxítonos

             

           Os proparoxítonos são nobres. Os paroxítonos, triviais (correspondem à maior parte do léxico).  O que dizer dos oxítonos? Com a tônica na última sílaba, eles têm um quê de retumbante e definitivo. Só se dão por inteiro. Nada os pode mutilar, sob pena de lhes destruir a alma, o icto, a sílaba tônica.

Talvez por isso eu tenha por eles um “xodó”. Um inexplicável “lundum”. Uma admiração sem “rapapés”. Sou Chico, mas gostava de ouvir um amigo que me chamava de “Chicó”. O esticamento e a abertura da sílaba final faziam a palavra soar como um dó de peito. Era difícil resistir ao apelo de quem me chamava assim.        

Oxítonos são os infinitivos dos verbos, e o povo tende a suprimir o “r” posposto à vogal que indica a conjugação. Prefere dizer “cantá”, “bebê”, “parti”, desfazendo a vibração presente na consoante. Como se quisesse sentir a nua tonicidade das sílabas finais.

Os oxítonos são fáceis de dizer. Por isso as crianças a eles se afeiçoam, nomeando em balbucios as figuras a que se apegam primeiro: “papá”, “mamã”, “vovô”, “vovó”. Daí evoluem para os vocábulos que resumem a sua incipiente experiência do mundo: “pipi”, “bumbum”, “dodói”. Parece haver um casamento entre os oxítonos e os chamados hipocorísticos, que traduzem afetividade.   

Mas nem tudo neles é doçura. Comumente se traduz em oxítonos o preconceito com que a sociedade julga os diferentes. Galego é “sarará”. Amputado é “cotó”. Gente muito feia é “papangu”. Cavalo inútil ou manhoso é “pangaré”. Mulher que passa tempo demais sem casar fica no “caritó”.   

Os oxítonos se prestam bem à expressão do exagero. Uma coisa é estar saturado, outra é ficar “pelo gogó”. Fazer escândalo impressiona menos do que “dar um piti”. A ideia de que algo mudou radicalmente parece ter mais força quando se diz que houve um “revestrés”. Quem muito se entristece fica “jururu”.

São oxítonas várias palavras que se abreviam segundo a lei do menor esforço, como “pornô”, “retrô”, “chatô”. Com isso elas perdem parte do significante, mas não perdem o impacto. Drummond numa crônica faz uma personagem chamar poluição de “polu” – uma maneira de ela demonstrar intimidade com o tema. Intimidade e compromisso. Quem diz “polu” não sai por aí degradando o meio ambiente.

 No domínio das crenças populares, os oxítonos também impressionam. Rogar uma praga é menos ameaçador de que fazer um “catimbó” (quem quiser que experimente). Entre os cultos animistas, nenhum parece tão ameaçador quanto o “vodu”. Divindade africana que se preza é “orixá”.

Os oxítonos são bons para traduzir repetitividade. Um som que parece interminável é um “baticum”. De gente cheia de lamúrias ninguém suporta o “nhenhenhém”. Estilo por demais enfeitado é “rococó”. E quando a confusão não termina? Vira um “rififi”.

Esse termo apareceu numa manchete que nunca esqueci (estampada na extinta revista Manchete). Tinham brigado Ângela Ro Ro e Zizi Possi. O romancista Carlos Heitor Cony, que era chefe de redação ou coisa parecida, não hesitou ao dar título à matéria: “Rififi da Zizi com a Ro Ro”! Uma sequência de oxítonos que sublinhava o escarcéu provocado pelas duas.

“Escarcéu”, por sinal, diz mais do que alarido ou gritaria. E com ele termino a crônica, antes que algum adepto dos proparoxítonos ache essa minha preferência esdrúxula e venha me provocar. Não estou para “quiproquós”.

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