Li
não sei onde que se está pensando em criar no Brasil o Bolsa Feiura. Segundo o
idealizador do projeto, vivemos numa sociedade que valoriza muito a beleza, e
os que não a têm competem em desigualdade de condições com os bonitos. Uma
forma de reparar essa injustiça seria destinar aos feios determinada quantia
para que eles pudessem de alguma forma reduzir os efeitos da sua condição. Com
o dinheiro comprariam produtos de beleza, frequentariam clínicas estéticas ou
mesmo, se fosse o caso, fariam plástica.
Certamente
isso vai gerar muitas críticas. Vão dizer que não tem sentido propor tal ajuda
quando há no país milhares de indivíduos sem teto ou com fome. Esse argumento,
contudo, é fácil de refutar. A feiura não é um problema social (a não ser,
talvez, na China), mas entristece ou deprime muitas pessoas, o que
indiretamente afeta o setor produtivo do País. Quem, sentindo-se por dentro “um
lixo”, tem ânimo para fazer a contento o seu trabalho?
Essa história de “estar bem consigo” tem fundamento. Se o espelho não
nos aprova, tendemos a ignorar os outros e pouco nos importamos com o mundo. Em
alguma medida, Freud tem razão: o universo é projeção do ego. Tendemos a
moldá-lo conforme nossa disposição interior.
Inclinamo-nos
para o belo porque, segundo Stendhal, a beleza é uma promessa de felicidade;
isso quer dizer que a feiura promete o oposto. Vinicius segue a mesma pisada ao
afirmar, pedindo perdão às muito feias, que beleza é fundamental.
Como
veem, o Bolsa Feiura tem um sólido aval literário (a não ser por Quasímodo, que
compensa a corcunda com a beleza interior – mas quem liga para ela hoje?). O
projeto, se aprovado, não mudará ninguém mas servirá de inestimável consolo.
Vai reparar um pouco o descuido (ou mesmo a imperícia) com que a natureza molda
certas fisionomias.
O
problema de um projeto como esse em nosso país é que poucos resistem a dinheiro
que vem do Estado. Seguindo a prática do jeitinho, a maioria vai bolar
artifícios para parecer mais feia do que é e ter direito à cota. Talvez isso
produza um decréscimo na nossa vaidade, levando à bancarrota o setor de
produtos estéticos. Haveria protestos, demissões – e aí, sim, a coisa ficaria
feia.
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