A máscara é por excelência o símbolo da pandemia. Divide as pessoas entre as que seguem a ciência e as que, no rastro do discurso presidencial, desprezam suas orientações. Para além do papel utilitário, é um adereço capaz de traduzir as preferências estéticas dos que a usam (escrevo no presente porque a pandemia ainda não acabou).
No
futuro, a imagem mais eloquente do flagelo provocado pelo coronoavírus será a
de pessoas mascaradas. O objetivo, claro, é impedir a contaminação, mas a ele
se acrescentam outros efeitos, como o de despersonalizar o indivíduo escondendo-lhe
parte do rosto.
O
mascarado pandêmico não ri; se o faz, não deixa isso perceptível. Nele as
emoções, que normalmente transparecem em todo o semblante, concentram-se no
olhar. A mordaça que lhe encobre boca e nariz é uma espécie de recusa à fala,
uma opção pelo silêncio opressivo que as circunstâncias lhe impõem.
Esses
detalhes não passariam despercebidos a um artista como Rodolfo Athayde, para
quem a máscara é “um véu incompleto que nos protege”. Um véu que vela e ao
mesmo tempo revela. Num belo volume recentemente impresso na Gráfica JB, Rodolfo
vai ao “Xis” da questão. Reúne intelectuais e artistas paraibanos que, posando
de máscaras, mostram na variedade de posturas, figurinos e expressões do olhar diferentes
formas de encarar o desafio da contaminação.
No
metalinguístico ensaio introdutório à obra, o autor faz uma espécie de resumo do
significado das máscaras na sua vida. Inicialmente associadas a mistério e
aventura (“A primeira foi a máscara do Zorro que estava por esses lugares”),
com o tempo elas lhe penetraram o universo profissional e artístico. Serviram-lhe
de tema a trabalho anteriores e acabaram se constituindo num indício do que nos
limita na modernidade.
Vivemos
num mundo globalizado, mas isso não nos facilita a comunicação. Quanto maior a
proximidade de uns com os outros, mesmo (ou sobretudo) virtual, maior a
tendência a escondermos partes de nós. Como enfatiza Rodolfo no referido prefácio,
“nem nos conhecemos mais porque são muitas as novidades do outro e o tempo é
curto”.
A
proposta de “Xis” é, na verdade, a de um desmascaramento. As máscaras nos
vestem para nos desnudar. O título da obra remete à onomatopeia por meio da
qual comumente se convocam as pessoas a sorrirem quanto vão ser fotografadas. Trata-se
de uma ironia que o autor enfatiza iconicamente no desenho da capa – um “Xis” (que
é também uma incógnita) confundido com uma máscara semidesfeita.
Fotografar
é cristalizar no tempo imagens que, o mais das vezes, se constituem em testemunhos
de uma época. A nossa ficará marcada pela pandemia; ela a muitos tirou a vida,
e a outros infligiu prejuízos materiais ou danos psicológicos. Captar nos
rostos mascarados o seu efeito é uma forma não apenas de mantê-la na lembrança,
mas sobretudo de surpreender na postura e no olhar dos que se mascaram diferentes
reações ao trauma que ela representa.
Muito bom
ResponderExcluirCom certeza, Somos os mesmos, mas com um novo comportamento pós Pandêmico.
ResponderExcluir" A pessoa que volta não é a mesma que partiu..." Parafraseanto Otávio Ianne em seu ensaio sobre Viagens, penso numa analogia, A Viagem enquanto experiência da Pandemia: Não voltamos_ e talvez nunca mais voltaremos _ ao mesmo ponto/Porto .
ResponderExcluir