Este é meu
primeiro Dia das Mães sem ter a quem presentear. Dei-me conta disso quando, no
shopping, Denise escolhia um presente para a minha sogra e, súbito, me veio o
pensamento: “O que vou comprar para mãe?”
Ela morreu
em dezembro, por que então cogitar de presenteá-la? A psicanálise diria que a
morte ainda não fora processada no meu inconsciente. O que nos faz sentir a
perda é a repetição de situações nas quais dolorosamente percebemos uma lacuna. E assim, de lacuna em lacuna, vai o morto se apartando
da nossa existência até que se consuma a orfandade.
Nos últimos
nos, convivi com ela doente e imobilizada. Sondas, máscaras, equimoses perfuravam
ou marcavam o seu corpo. Essa imagem se superpunha às que apareciam nas fotografias
e embotava um pouco a lembrança dos momentos que vivi com ela.
Depois do
desfecho inevitável, começo a recobrar as memórias que marcaram o seu papel de
mãe. Entre elas, a que mais me toca são as
noites que ela passava me abanando por causa das crises de asma. Por horas
meneava intensamente o leque na tentativa de abrandar a dispneia feroz. Isso
chegava a me incomodar pelas horas de sono que lhe eram subtraídas. Com o tempo, vendo-a avançar na idade (viveu
94 anos), percebi com alívio que essa vigília não lhe comprometera a saúde. Seria
terrível cumular a asma com o remorso.
Havia
momento líricos, quando na máquina de costura ela cantava tangos ou valsas “do
seu tempo”, que terminava sendo o meu. Ou quando na cozinha, preparando o seu
delicioso pavê branco, cantarolava modinhas ou fragmentos de hinos aprendidos no
Colégio Cristo Rei, de Patos, onde estudou por muitos anos.
Órfã de mãe,
Ruth morou na casa de um tio até se casar. A ausência materna fez com que ela
se dedicasse aos filhos com redobrada aplicação. Como se quisesse intensificar neles
a presença e os cuidados que faltaram em sua vida. Para isso havia a casa, que
ela sempre preparou com empenho e arte de acordo com as ocasiões. Natais e
São-Joões tinham a sua marca, traduzida em enfeites caprichados e comidas gostosas.
Era uma esteta do lar.
Agora que o
tempo esmaece o trauma da perda, sinto que a sua imagem se recompõe com os traços
vívidos do passado. Torna-se então possível visualizá-la nos momentos em que ela
foi determinante e mesmo nos triviais, pois todos contam para lhe dimensionar a
figura. Se não há mais a quem a presentear, resta o consolo de tê-la em nós sempre
presente.
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