terça-feira, 28 de março de 2023

Um "frango" moral

 

Causou muita polêmica o gesto do goleiro argentino Martínez na cerimônia de premiação da Copa do Mundo. Diante de câmeras do mundo inteiro, ele levou à altura do pênis o troféu que tinha acabado de receber e o exibiu de maneira ofensiva. Era, segundo disse, uma resposta aos torcedores franceses que o haviam provocado.

A atitude foi inoportuna e se transformou na nota negativa do espetáculo. Mesmo porque no palanque estavam o emir, o presidente da Fifa e autoridades como Emmanuel Macron, primeiro mandatário da nação derrotada na final. A destinação fálica dada à estatueta não deixou de ser um desrespeito a todos eles.   

Martínez foi fundamental para a vitória da Argentina, como se sabe, e pode ser que a consciência disso tenha lhe subido à cabeça. Talvez achasse que “podia tudo” na cerimônia que coroava seu time. Se foi esse o caso, ele deixou que a arrogância tomasse o lugar da modéstia, que é a marca dos grandes vitoriosos.

Li recentemente que o técnico da equipe na qual ele joga quer mandá-lo embora. Para o atleta, enquanto profissional, isso não vai ser problema; muitos times da Europa pensam em contratá-lo. Mas o repúdio por parte de quem o orienta no seu próprio país não deixa de representar um abalo moral.

A inconveniência do goleiro não se limitou ao gesto de fazer do troféu um falo. Durante as cobranças das penalidades máximas, ele provocou os jogadores franceses com dancinhas e trejeitos. Em momento crucial da partida, deixou de lado o decoro e partiu para o desrespeito aos adversários. Isso levou a que o craque Mbbapé viesse a chama-lo de “o maior f.d.p do futebol”.

O gesto de Martinez remete à velha questão do contraste que por vezes existe entre o artista e o homem. O dom e o caráter. Nem sempre o talento espelha quem uma pessoa é, e não são raros os casos de exímios praticantes de uma arte ou ofício que se revelam maus-caracteres. Nesse aspecto, a natureza não está preocupada em promover um equilíbrio.  

Mas os casos em que esse equilíbrio existe demonstram uma virtude rara – a integridade, que eleva o indivíduo a um patamar poucas vezes superado. Entre os exemplos raros, está o recém-falecido Pelé. Ele tinha suas falhas pessoais, talvez seus deslizes familiares, mas em campo nunca demonstrou um comportamento desrespeitoso para com o público nem para com os adversários.  

Certamente por isso a sua morte foi tão lamentada. Os minutos de silêncio e o piscar de letreiros luminosos em vários estádios do mundo homenageavam tanto o atleta quanto o homem.  Lembravam alguém que, na vitória ou na derrota, portava-se com uma dignidade proporcional ao seu talento. Era inimaginável que, numa cerimônia de premiação, ele transformasse o objeto que lhe atestava a glória num reles apetrecho de pornografia.

Martínez é um goleiro como poucos, mas por uma atitude sumamente deseducada manchou para sempre a sua imagem. Ele bem que podia ter “segurado essa”. 

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O silêncio do inocente