Trinta anos de casamento, Nicanor pensou em fazer uma surpresa à mulher:
– Que tal a gente
voltar ao motel em que dormimos juntos pela primeira vez?
– Motel?! Que
ideia!
– Por que não? Vai
ser gostoso relembrar a sensação daquele encontro.
Tanto insistiu,
que Matilde terminou concordando. Meio a contragosto, é certo, mas não custava
satisfazer esse capricho do marido, que ainda veio com outro:
– Você podia
vestir aquela cinta vermelha... Lembra?
A mulher
aparentemente fez que não ouviu.
Numa noite de
sábado (tal como da primeira vez), inventaram uma mentira para os dois filhos
adolescentes e se mandaram para o motel. O letreiro não era mais o mesmo
(Nicanor teve a sensação de que piscava menos), e uma parte fora reconstruída.
Mas dava para reavivar antigas sensações.
Pediram um quarto
com o mesmo número daquele em que dormiram da primeira vez. O marido achava que
isso daria sorte. Depois de passar pela portaria, ele estacionou na garagem que
havia ao lado. Era muito escura, certamente para preservar a identidade dos
frequentadores.
Mal entraram no
quarto, Matilde fez um ar de quem não gostou:
– Hum... O cheiro.
Isso está com cara de que há tempos não passa por uma boa faxina.
Dirigiu-se ao
banheiro e voltou de lá com uma expressão escandalizada:
– Venha ver,
Nico!
Puxou o marido até
o local.
– Está vendo?
Parece até que tem limo.
– Não é tanto
assim, Clotilde. Você exagera.
– E o vaso
sanitário? Está precisando de uma boa bucha.
Após uma breve
pausa, deliberou:
– Vamos ligar para
a portaria e pedir uma vassoura com detergente.
– Esqueça o
banheiro – ponderou o marido. – Vamos voltar para o quarto.
Tentando fazê-la
entrar no clima, ele perguntou sobre o que lhe pedira:
– Trouxe a cinta?
– Não. O Dr.
Amoedo disse que eu devia evitar qualquer tipo de roupa que prejudicasse a
circulação. Por causa das varizes. Acabei jogando no armário da despensa.
– Tudo bem,
dispensamos a cinta. O importante é que você... se sinta bem.
Esperou que a
mulher sorrisse do jogo de palavras, mas ela pareceu nem perceber. Depois de
olhar atentamente a cama, Matilde exclamou com um novo ar de protesto:
– Me deitar aqui!?
Deus me livre. Veja o colchão.
– Não é tão ruim.
E você, que é calorenta, pode ficar perto do ar-condicionado.
– Se é que eles
costumam limpar o filtro...
Estavam nesse
impasse, quando o celular da mulher tocou. Era o filho mais velho:
– Onde vocês
estão?
– A gente está num
restaurante que seu pai queria muito conhecer.
– Estou ligando
por um motivo grave. Desconfio de que Isolda saiu para se encontrar com alguém.
Pode ter ido a um motel.
– Como?!
– Pois é. Ela
tentou disfarçar, mas vi que levava aquela cinta, lembra? Aquela que você
guarda como uma relíquia erótica dos tempos em que namorava o velho.
Clotilde mal
esperou o filho terminar. Desligou e contou a conversa ao marido. Depois,
preocupada, comentou:
– E se ela foi
mesmo a um motel?
– Tolice. Não se
pode fazer nada. Só não gostei de ela ter levado a cinta.
– Eu devia ter
escondido melhor...
– Deixe. Ela é
jovem.
Vendo que estavam
perdendo tempo ali, Nicanor teve uma ideia:
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