domingo, 20 de agosto de 2023

Augusto versus IA

 


Um amigo pediu à Inteligência Artificial que produzisse um poema “ao estilo de Augusto dos Anjos”. Recebeu esta composição e quer saber o que eu acho: 

 

Nas veias, o sangue pulsa impuro,

Um rio de tormento e aflição.

O corpo, um templo decadente,

Onde a vida se esvai em vão.

 

Oh, Augusto dos Anjos, mestre do lamento,

Tuas palavras ecoam como pranto.

Descreves a angústia da existência,

Num mundo de desencanto.

 

Os ossos, frágeis estruturas,

A sustentar a carne em decomposição.

Somos meros espectros ambulantes,

Em busca de uma ilusória redenção.

 

A vida, um teatro macabro,

Onde os atores são marionetes.

E o palco é o cenário derradeiro,

Das dores mais secretas e inquietantes.

 

Augusto dos Anjos, poeta maldito,

Tuas rimas ecoam na escuridão.

Retratas a efemeridade da vida,

Numa poesia de sombra e solidão.

                            ****

Como se vê, os versos são bem ruinzinhos. Falta-lhes rigor métrico e a expressividade própria do “Poeta do Eu”. 

O simplismo das imagens mostra um pastiche pouco criativo (pois sabemos que há os criativos), por meio do qual “o autor” procura imitar a visão de mundo do poeta. Há uma série de obviedades sobre o sofrimento e a transitoriedade humanos que está longe de refletir o universo da culpa e da morte presente no “Eu”. 

Dizer que o sangue é “um rio de tormento e solidão” é impróprio e denota um profundo mau gosto. E o fato de Augusto ter escrito “O lamento das coisas”, uma vigorosa representação da energia que potencializa o desejo, não autoriza que o chamem de “mestre do lamento” — como se a sua poesia não passasse de um rol de lamúrias. 

Enfim, a IA ainda tem muito que aprender para chegar ao nível do nosso poeta (se é que um dia conseguirá isso). 

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