As crises são produtivas
e mesmo desejáveis. Precisa-se delas para crescer. Isso é verdade tanto para a História
quanto para os indivíduos. Historicamente, a períodos de crise sucedem outros de
euforia e progresso (os pós-guerras atestam essa verdade). No que diz respeito às
pessoas, há relatos de crises que ensejaram profundas mudanças existenciais.
O problema é quando elas se tornam frequentes
e mesmo viciosas. Há quem se acostume a viver em conflito consigo mesmo e cultive
com certa morbidez o mal-estar que isso traz. Para gente assim, os momentos
críticos não são estágios para o amadurecimento pessoal; persistem como uma
espécie de segunda natureza.
Tenho um amigo assim. Sempre que
conversamos, ele diz que está insatisfeito com a vida e se preparando para mudanças
radicais. Ora pretende largar o emprego, ora se dispõe a deixar a mulher (que
nunca deixa, por medo de ficar sozinho). Quando lhe pergunto quais seriam os
novos planos, ele não sabe responder. Quer dar uma guinada na vida, mas ignora em
que direção.
As conversas com ele me lembram o adolescente
que fui – cheio de dúvidas e temeroso do futuro. Com quem namorar? Que carreira
seguir? Que amigos cultivar? Questões como essas não raro me tiravam o sono,
mas na adolescência isso é natural. Está-se numa encruzilhada quanto a escolhas
que vão repercutir no restante da vida – e sabendo muito pouco do que a vida é.
Vivenciar tal paradoxo, convenhamos, precipita qualquer um no torvelinho da
crise.
Às vezes esse emaranhado de indecisões
persiste em estágios posteriores, chegando à idade adulta e se projetando na
velhice. Geralmente quem passa por isso diz que ainda não se encontrou (é tão
longo esse “ainda”, que faz pensar em “nunca”). Quando enfim se dará esse
encontro, para o qual a pessoa parece não estar (ou não ser) preparada?
Meu amigo fez análise, mas depois de
algum tempo desistiu. Espirituoso, me disse que seu problema não é o
inconsciente, mas excesso de consciência. Esse diagnóstico pode ser interessante
como jogo de palavras, mas encobre um ceticismo que beira a desesperança. Se
ele rejeita a análise mas não consegue se livrar do pessimismo renitente, que
procure outra alternativa. No limite, mesmo autojuda pode servir – desde que
seja com fé.
Faz dias que não nos vemos, mas sei
que ao reencontrá-lo vou me deparar com o mesmo semblante sombrio e as velhas queixas.
Ele me falará de suas novas deliberações e me pedirá que opine sobre elas. De
que adiantaria opinar? Quem não consegue ouvir a si mesmo não vai querer ouvir
os outros. Mas serei complacente quando ele começar, como das outras vezes: “Rapaz,
agora é sério! Nunca estive tão mal...”.
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